Advogado não pode gravar audiência, decide juíza
- Thales de Menezes
- 7 de mar.
- 5 min de leitura
Atualizado: 11 de set.

A discussão sobre a gravação no tribunal do júri voltou a ganhar destaque após decisão recente da juíza Alexandra Lamano Fernandes, da comarca de Cabreúva, em São Paulo. A magistrada determinou a abertura de um termo circunstanciado contra advogados que registraram em vídeo uma sessão do júri, mesmo após a revogação da autorização inicial. O caso expôs o conflito entre prerrogativas da advocacia, regras de publicidade dos atos processuais, direito à intimidade dos participantes e aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados.
Neste artigo, analisarei os principais aspectos jurídicos envolvidos na decisão, destacando as normas constitucionais, o Código de Processo Penal, o Código de Processo Civil, o Estatuto da OAB e a LGPD. O objetivo é compreender até que ponto a gravação de audiências é um direito da advocacia e em que situações a Justiça pode limitar esse registro.
O direito constitucional à publicidade dos atos processuais
A Constituição Federal de 1988 estabelece a publicidade como regra geral dos atos processuais. O artigo 5º, inciso LX, prevê:
A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.
Já o artigo 93, inciso IX, reforça que todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. Portanto, o princípio da publicidade é um pilar do processo democrático, assegurando transparência e controle social das decisões judiciais.
Contudo, a própria Constituição admite exceções. Quando a preservação da intimidade de testemunhas, vítimas ou jurados estiver em risco, ou quando o interesse social justificar, o juiz pode impor restrições.
O Código de Processo Penal e a disciplina do Tribunal do Júri
O Tribunal do Júri possui regras próprias no Código de Processo Penal. O artigo 792 dispõe:
As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos, podendo, porém, o juiz limitar a presença em determinados atos às próprias partes, a seus defensores, ao Ministério Público e a seus auxiliares, quando a preservação do direito à intimidade o exigir.
No júri, essa regra ganha especial relevância. O procedimento envolve depoimentos de testemunhas, debates entre acusação e defesa e, sobretudo, a votação secreta dos jurados. O sigilo do voto é uma garantia constitucional prevista no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “b”, que reconhece a soberania dos veredictos e o sigilo das votações.
Assim, embora a sessão do júri seja pública, o registro de imagens e áudios pode ser limitado, principalmente para proteger jurados e testemunhas.
O pedido inicial de gravação e a mudança de decisão
No caso analisado, a defesa solicitou a gravação da sessão. O promotor Fauzi Hassan Choukr, em manifestação inicial, não se opôs, desde que observados os parâmetros legais. A juíza Alexandra Lamano Fernandes então autorizou a gravação, impondo a restrição de que os atos sigilosos, como a votação dos jurados, não fossem captados.
Posteriormente, a promotora Gabriela Carvalho de Almeida Estephan pediu a revogação da autorização. Ela argumentou que a gravação violaria a segurança e a privacidade dos envolvidos, contrariando inclusive a Lei Geral de Proteção de Dados. Diante dessa nova manifestação, a magistrada reconsiderou sua decisão e proibiu a gravação.
Apesar disso, os advogados mantiveram os registros, desobedecendo à ordem judicial. Esse ato levou à abertura do termo circunstanciado para apuração da conduta.
A Lei Geral de Proteção de Dados e sua aplicação no processo penal
A Lei nº 13.709/2018, conhecida como LGPD, estabelece normas para o tratamento de dados pessoais, inclusive digitais, por pessoa natural ou jurídica. O artigo 5º define como dado pessoal qualquer informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável.
No caso do tribunal do júri, imagens e áudios de jurados, testemunhas ou vítimas podem ser considerados dados pessoais. Assim, sua divulgação sem consentimento pode violar a LGPD. Além disso, o artigo 7º da lei exige base legal para o tratamento dos dados, que pode ser o consentimento do titular ou outra hipótese autorizada.
Portanto, ainda que o ato processual seja público, a gravação com divulgação irrestrita pode gerar violação à proteção de dados, justificando restrições.
O Estatuto da Advocacia e as prerrogativas da profissão
A Lei nº 8.906/1994, que institui o Estatuto da Advocacia, assegura direitos aos advogados no exercício da profissão. O artigo 7º, inciso XXI, garante o direito de gravar audiências, desde que de forma pública. O dispositivo dispõe:
Art. 7º. São direitos do advogado: XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, também, gravar, em meio eletrônico, as sessões públicas, salvo quando o sigilo for imposto por lei ou pelo magistrado.
Esse direito, entretanto, não é absoluto. Quando o magistrado impõe restrição fundamentada em lei, como no caso da preservação da intimidade ou da segurança dos jurados, a prerrogativa encontra limite.
O Código de Processo Civil e o direito de gravar audiência
O Código de Processo Civil de 2015 também prevê a publicidade dos atos processuais. O artigo 367 autoriza expressamente a gravação de audiências, desde que seja realizada pelas partes e respeitadas as determinações do juiz.
Art. 367. As partes têm direito de gravar as audiências em meio eletrônico próprio, independentemente de autorização judicial.
Embora o dispositivo seja claro, sua aplicação ao processo penal ainda gera debates. Parte da doutrina entende que a norma pode ser aplicada por analogia, mas outros defendem que, no júri, as especificidades do procedimento penal e do sigilo dos jurados prevalecem.
Litigância, desobediência e o termo circunstanciado
O termo circunstanciado é um procedimento previsto na Lei nº 9.099/1995, aplicável a infrações de menor potencial ofensivo. Quando os advogados desobedeceram a ordem judicial, configurou-se possível crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal:
Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
Nesse contexto, a decisão da magistrada encontra respaldo legal. A gravação inicialmente autorizada foi proibida, e sua continuidade passou a configurar descumprimento de ordem judicial.
O conflito entre prerrogativas e limites judiciais
O caso expõe claramente o conflito entre prerrogativas da advocacia e limites impostos pela lei. A gravação de atos públicos é, de fato, um direito do advogado. Entretanto, quando esse direito colide com a proteção da intimidade e da segurança dos participantes, o juiz pode impor restrições.
A decisão da juíza Alexandra Lamano Fernandes está fundamentada em normas constitucionais, processuais e na LGPD. Por outro lado, a crítica da defesa ressalta o risco de enfraquecimento das prerrogativas da advocacia quando ordens judiciais revogam autorizações já concedidas.
Conclusão
O caso da gravação no tribunal do júri em Cabreúva/SP evidencia a complexidade da relação entre publicidade processual, prerrogativas da advocacia e proteção da intimidade. A Constituição assegura a regra da publicidade, mas admite restrições fundamentadas. O Código de Processo Penal reforça a possibilidade de limitar a presença em determinados atos. A LGPD trouxe novos parâmetros de proteção de dados, que se aplicam inclusive ao processo penal.
A advocacia tem o direito de registrar audiências, mas esse direito não é absoluto. Quando a ordem judicial fundamenta a restrição, sua desobediência pode gerar responsabilização. O equilíbrio entre transparência e proteção da intimidade é essencial para garantir tanto a segurança do processo quanto a efetividade das prerrogativas da profissão.
Assim, o caso serve de alerta para advogados, magistrados e promotores sobre a necessidade de ponderação entre direitos fundamentais, preservando o respeito mútuo entre as instituições e assegurando a segurança jurídica.
Se você busca mais informações sobre esse e outros temas jurídicos acesse nosso site: https://www.advocaciaimobiliariagoias.org/







Comentários