Cartão de Crédito Consignado (RMC): Quando é Abusivo e Como Defender seus Direitos
- Thales de Menezes
- 19 de set.
- 7 min de leitura
Atualizado: 30 de set.

O cartão de crédito consignado tem gerado inúmeras controvérsias judiciais nos últimos anos. Muitos consumidores, especialmente aposentados e pensionistas, relatam ter sido enganados por instituições financeiras que vendem essa modalidade como empréstimo consignado comum. Contudo, a realidade jurídica apresenta características específicas que podem tornar essa contratação abusiva e passível de reparação.
Conceito e Funcionamento do Cartão de Crédito Consignado
O cartão de crédito consignado constitui modalidade de crédito que permite desconto direto na folha de pagamento ou benefício previdenciário. Diferentemente do empréstimo consignado tradicional, não estabelece prazo fixo para quitação total da dívida.
Esta modalidade funciona através do desconto mensal apenas do valor mínimo da fatura. Consequentemente, o saldo devedor permanece em aberto, sofrendo incidência de juros e encargos que podem tornar a dívida impagável.
A Lei nº 10.820/2003 regulamenta as consignações em folha de pagamento, estabelecendo no artigo 6º que
“Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social e do benefício de prestação continuada de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, poderão autorizar que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) proceda aos descontos referidos no art. 1º desta Lei e, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam os seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, na forma estabelecida em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS e ouvido o Conselho Nacional de Previdência Social.”
Logo é possível sim a existência de empréstimos com descontos consignados direitamente na conta de aposentados e servidores públicos.
O que é o RMC (Características da Reserva de Margem Consignável)
A Reserva de Margem Consignável (RMC) representa mecanismo específico do cartão de crédito consignado. Esta ferramenta permite que o banco utilize parte da margem consignável do cliente para garantir o pagamento mínimo mensal.
Ele é basicamente um empréstimo eterno, onde a pessoa vai adquirir um cartão, realizar um saque a título de empréstimo e ficará pagando parcelas por esse saque o resto da vida.
Ele é um péssimo sistema e ninguém que tenha bom senso aceitaria contratar esse tipo de serviço. Sabendo disso, a forma com que instituições financeiras usam para vender esse tipo de empréstimo é muito simples: enganar o cliente.
Muitas instituições financeiras não esclarecem adequadamente o funcionamento da RMC. Os consumidores acreditam contratar empréstimo consignado comum, com parcelas fixas e prazo determinado, entretanto estão contratando um serviço que debitará valores de suas contas eternamente
A ausência de informação clara sobre essas características pode configurar prática abusiva. Especialmente quando o consumidor não utiliza efetivamente o cartão para compras ou saques, limitando-se ao recebimento do valor inicial.
Súmula 63 do Tribunal de Justiça de Goiás
Não há melhor ponto de partida para explicar a razão do porquê o RMC é contrário a lei do que a Súmula 62 do Tribunal de Justiça de Goiás. Veja primeiramente a súmula:
"Os empréstimos concedidos na modalidade “Cartão de Crédito Consignado” são revestidos de abusividade, em ofensa ao CDC, por tornarem a dívida impagável em virtude do refinanciamento mensal, pelo desconto apenas da parcela mínima devendo receber o tratamento de crédito pessoal consignado, com taxa de juros que represente a média do mercado de tais operações, ensejando o abatimento no valor devido, declaração de quitação do contrato ou a necessidade de devolução do excedente, de forma simples ou em dobro, podendo haver condenação em reparação por danos morais, conforme o caso concreto."
Nesta decisão é possível observar várias questões relevantes sobre o tema.
Primeiramente, ficou determinado que RMC ofende o Código de Defesa do Consumidor e a consequência para quem entra na justiça para pedir o fim desse empréstimo é a quitação do contrato, devolução do valor pago a mais, além de indenização por danos morais.
Vamos analisar cada um desses pontos.
Código de Defesa do Consumidor e Práticas Abusivas
O Código de Defesa do Consumidor estabelece proteções específicas contra práticas abusivas em contratações financeiras.
Em um de seus principais artigos, o código em questão anota o seguinte:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor: III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;”
Logo, quando um fornecedor de produtos ou serviços coloca um bem no mercado ele deve prestar todas as informações sobre ele de forma clara e precisa.
Mas não é apenas esse artigo que estipula essa regra. Veja:
“Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”
Não prestar a informação adequado, ou pior, levar o consumidor ao erro é considerado uma prática abusiva. Veja o que diz o mesmo código sobre isso:
“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;”
Portanto, quando instituições financeiras não esclarecem adequadamente as características do cartão de crédito consignado, violam direitos fundamentais dos consumidores. Especialmente quando se aproveitam da condição de idosos ou pessoas com baixa escolaridade.
Conversão para Empréstimo Consignado Comum
Quando fica clara a abusividade da contratação do cartão de crédito consignado, os tribunais têm determinado sua conversão para empréstimo consignado comum. Esta medida visa corrigir a ilegalidade cometida pela instituição financeira e adequar o contrato para a expectativa do cliente.
A conversão implica recálculo dos valores com base nas regras do empréstimo consignado tradicional. Assim, estabelece-se número fixo de parcelas e taxa de juros específica para essa modalidade.
O Superior Tribunal de Justiça tem chancelado essa prática através de diversos precedentes. O tribunal superior reconhece que a conversão representa medida necessária para restabelecer o equilíbrio contratual.
Restituição do Indébito
O Código de Defesa do Consumidor é muito incisivo ao tratar situações em que o consumidor é enganado por empresas que tentam fazê-los pagarem mais do que devem.
Em um de seus artigos o código estipula o seguinte:
“Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”
Assim, quando alguém é cobrado indevidamente tem o direito de receber o dobro do valor que foi obrigado a pagar a mais.
Por exemplo: Supondo que o valor do empréstimo do cliente é de 1000 reais, sendo esses 800 reais do empréstimo e 200 de RMC. Nesse caso o cliente não receberia de volta apenas os 200 reais, mas sim 400 reais referente ao valor em dobro do que foi obrigado a pagar indevidamente.
Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça exigia demonstração de má-fé para aplicar a repetição em dobro. Contudo, entendimentos mais recentes flexibilizam essa exigência.
Especificamente sobre o cartão de crédito consignado, os tribunais têm estabelecido que valores pagos até 30 de março de 2021 devem ser restituídos de forma simples, já os pagos depois desse prazo se aplica a devolução em dobro.
Danos Morais em Contratos Bancários
Danos morais são todas as dores de cabeça, humilhações e constrangimentos que alguém passa devido um ato ilícito de outra pessoa, seja ela física ou uma empresa.
Levar uma pessoa ao engano, fazendo ela contratar por um serviço que exigirá pagamento eterno das parcelas é algo desumano. Principalmente se esse ato é cometido contra pessoas cujo valor descontado indevidamente fará muita falta no final do mês.
A maioria das pessoas que são enganadas por esse tipo de empréstimos são idosos que dependem de sua pequena aposentadoria para continuar vivendo e esse é o alvo favorito desse tipo de empresa.
Esse ato de vilania não passa despercebido pelos tribunais de todo país, o que os motiva a condenar essas empresas a indenizar os clientes pela humilhação que eles sofreram.
Mas é importante esclarecer que danos morais é algo muito subjetivo e dependerá do juiz que julgará o caso. Mesmo analisando os mesmos documentos e fatos é comum um juiz considerar que houve dano moral mas outro considerar que a humilhação em questão não é forte o suficiente para justificar uma indenização. Então este ponto dependerá muito do juiz que analisará o caso.
Procedimentos para Contestação Judicial
Consumidores lesados por práticas abusivas envolvendo cartão de crédito consignado podem buscar proteção judicial através de diferentes ações. A escolha da modalidade processual depende das circunstâncias específicas do caso.
Para questionar a abusividade das cláusulas e pedir a redução dos valores sacados, adequando eles a um empréstimo comum, a ação correta seria uma Revisional.
Já a cobrança da repetição de indébito pode ser cumulada com o pedido de danos morais em uma ação de indenização.
Sobre essas questões técnicas um advogado de sua confiança irá orientá-lo mais especificamente.
Medidas Cautelares e Tutelas de Urgência
Se o valor dos descontos abusivos estiverem fazendo muita falta ao cliente e comprometendo a subsistência do consumidor, podem ser pleiteadas medidas urgentes para suspender os débitos.
Essa suspensão acontecerá logo após o juiz ter contato com a ação judicial pela primeira vez. Não será preciso aguardar a sentença final do processo.
Para consumidores idosos ou em situação de vulnerabilidade, demonstrar o risco de dano torna-se mais simples. Especialmente quando os descontos comprometem recursos essenciais para medicamentos, alimentação ou moradia.
Considerações Finais
O cartão de crédito consignado pode configurar prática abusiva quando consumidores são induzidos a erro sobre suas características. A proteção jurídica disponível permite revisão contratual, restituição de valores e, em casos específicos, indenização por danos morais.
Consumidores lesados devem buscar orientação jurídica qualificada através de um advogado de sua confiança para avaliar suas possibilidades de defesa.
Mas a prevenção continua sendo a melhor estratégia. Consumidores devem exigir informações claras, comparar alternativas e evitar contratações por pressão ou sem compreensão adequada dos termos oferecidos.
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