Executar Serviço Perigoso Sem Autorização É Crime
- Thales de Menezes
- 26 de mai.
- 6 min de leitura
A expressão “serviço de alto grau de periculosidade” envolve qualquer atividade prestada que possa oferecer risco à saúde ou à vida do consumidor ou de terceiros. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) trata com especial atenção esse tipo de serviço, considerando a sua gravidade e potencial lesivo.
Atividades como instalação de gás, manutenção de elevadores, serviços com eletricidade em alta tensão, transporte de cargas perigosas ou manipulação de produtos tóxicos são exemplos clássicos. Todos exigem não apenas qualificação técnica, mas também autorização da autoridade competente.
A execução desse tipo de serviço perigoso sem essa autorização pode configurar crime. Essa conduta está prevista no artigo 65 do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece penalidades severas, incluindo detenção e multa.
O que diz a lei sobre serviços perigosos no CDC
O artigo 65 do CDC é claro ao descrever a conduta e as penalidades:
"Art. 65. Executar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando determinação de autoridade competente: Pena – Detenção de seis meses a dois anos e multa. § 1º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à lesão corporal e à morte. § 2º A prática do disposto no inciso XIV do art. 39 desta Lei também caracteriza o crime previsto no caput deste artigo."
Em outras palavras, não basta executar o serviço com cautela. Caso exista determinação contrária da autoridade, o prestador que insiste em realizar a atividade comete crime de consumo.
Além disso, se a execução causar lesões ou mortes, outras penas podem se somar às do artigo 65. O fornecedor responde tanto pelo crime contra o consumidor quanto pelos danos individuais causados.
O que diz o artigo 39, inciso XIV do CDC
O § 2º do artigo 65 do CDC remete ao artigo 39, inciso XIV, o qual também tipifica conduta abusiva. Vejamos o que ele dispõe:
"Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: XIV - permitir o ingresso no estabelecimento comercial ou de serviços de um número maior de consumidores que o fixado pela autoridade administrativa como máximo."
Portanto, permitir aglomeração em ambientes onde há risco técnico previamente identificado também é considerado prática abusiva e, quando em conjunto com serviços perigosos, configura crime de consumo. Isso ocorre, por exemplo, em casas noturnas, shows ou obras com risco estrutural onde se ignora o limite de público definido por órgãos competentes.
Relação com a Constituição Federal
A Constituição Federal (CF) trata a proteção do consumidor como direito fundamental. No artigo 5º, inciso XXXII, está escrito:
"O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor."
Mais adiante, no artigo 170, inciso V, está previsto que a ordem econômica tem como princípio a defesa do consumidor. Isso demonstra que a proteção contra serviços perigosos vai além do CDC. Ela é uma obrigação do Estado e uma garantia fundamental do cidadão.
Assim, qualquer prática que exponha o consumidor ao risco, contrariando a autoridade competente, fere não só o CDC como também a Constituição Federal.
Quem é a autoridade competente nesses casos
O artigo 65 menciona expressamente que a execução do serviço deve obedecer à determinação da “autoridade competente”. Mas quem seria essa autoridade?
Depende da natureza do serviço. Por exemplo:
Se envolver riscos à saúde pública, a autoridade pode ser a ANVISA ou a Vigilância Sanitária local.
Se for atividade de engenharia ou construção civil, o CREA ou a Defesa Civil municipal podem ser os responsáveis.
No caso de serviços elétricos ou com inflamáveis, o Corpo de Bombeiros e a concessionária de energia têm competência para autorizar ou interditar a execução.
Em todos os casos, a prestação do serviço exige não só conhecimento técnico, mas também obediência às normas específicas e às ordens emitidas pelas autoridades.
Exemplo prático: obra interditada pela Defesa Civil
Suponha que uma empresa pretenda fazer uma reforma estrutural em um prédio antigo. A Defesa Civil municipal determina a interdição da obra por risco de desabamento. Ainda assim, a empresa decide prosseguir com o serviço, alegando que “tem pressa” ou “vai se responsabilizar”.
Nesse caso, a conduta configura crime de consumo nos termos do artigo 65 do Código de Defesa do Consumidor. Ainda que não ocorra nenhum acidente, o simples fato de contrariar a autoridade já é suficiente para responsabilização penal.
Se houver algum dano — por exemplo, um trabalhador se machuca ou o prédio desaba — o responsável responderá também por lesão corporal ou até por homicídio culposo, sem prejuízo das sanções administrativas.
Como o consumidor pode se proteger
O consumidor não precisa saber todos os detalhes técnicos de um serviço. No entanto, ele tem o direito de exigir informações claras e precisas sobre riscos, autorizações e habilitação do profissional. Isso está previsto no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, que afirma:
"São direitos básicos do consumidor: III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem."
Além disso, se o consumidor souber que o serviço depende de autorização e não foi concedida, ele pode denunciar o prestador aos órgãos de proteção como o Procon, Ministério Público ou Vigilância Sanitária.
Responsabilidade civil pelo serviço perigoso
Mesmo que o prestador seja punido criminalmente, ele continua responsável por indenizar danos que o serviço tenha causado. Essa é a chamada responsabilidade civil, prevista nos artigos 12 e 14 do CDC.
O artigo 14 determina que:
"O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços."
Assim, se a execução irregular causar um incêndio, por exemplo, o consumidor tem direito à reparação integral do prejuízo, mesmo que o prestador alegue ter seguido as boas práticas ou não ter tido intenção de causar danos.
Responsabilidade solidária entre empresa e profissional
Se o serviço for prestado por um técnico contratado por uma empresa, ambos poderão ser responsabilizados. A empresa responde solidariamente pelos atos do profissional, conforme o artigo 34 do CDC:
"O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos."
Ou seja, não importa se a empresa disser que o profissional agiu por conta própria. Se ele fazia parte do seu quadro de prestadores, haverá responsabilidade compartilhada.
Quais provas o consumidor deve reunir
Caso deseje denunciar ou buscar reparação, o consumidor deve guardar documentos como orçamentos, e-mails, fotos e vídeos do serviço. Testemunhas também são úteis. Boletins de ocorrência ou laudos da Defesa Civil reforçam a prova.
Além disso, laudos de peritos ou engenheiros que demonstrem a execução indevida ajudam a demonstrar a periculosidade. O consumidor não tem o dever de provar que a empresa agiu com dolo, bastando mostrar que a atividade era perigosa e não autorizada.
O que o Ministério Público pode fazer
O Ministério Público pode ingressar com ação civil pública para impedir a continuidade de um serviço perigoso ou para responsabilizar os envolvidos. Além disso, pode ajuizar ação penal com base no artigo 65 do CDC.
A atuação do MP é relevante especialmente quando o serviço atinge grande número de consumidores ou tem potencial de causar tragédias. Em casos graves, o MP pode pedir interdição do estabelecimento e a responsabilização por danos morais coletivos.
Ações civis individuais e coletivas
O consumidor prejudicado pode entrar com ação individual para exigir indenização. Se o serviço afetar várias pessoas, é possível também a propositura de ação coletiva, ajuizada por associação de consumidores ou pelo próprio MP.
As ações coletivas buscam não apenas indenizar os lesados, mas também impedir a repetição da prática e condenar a empresa a pagar valores ao fundo de defesa dos direitos difusos.
Considerações finais
A execução de serviço de alto grau de periculosidade, quando feita em desacordo com a determinação da autoridade competente, é crime previsto no Código de Defesa do Consumidor. Esse crime tem pena de detenção e multa e pode se agravar se houver lesão ou morte.
Além da esfera penal, o responsável pode ser condenado civilmente e administrativamente. O consumidor, por sua vez, tem o direito de ser informado, de recusar o serviço e de denunciar práticas irregulares.
A proteção à vida e à integridade física nas relações de consumo não é opção, mas obrigação legal. O consumidor não precisa esperar o dano acontecer para agir. Ele pode — e deve — buscar orientação e, se necessário, o Poder Judiciário para garantir sua segurança.
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