Inscrição indevida no SERASA gera indenização
- Thales de Menezes
- 4 de out. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 9 de nov.

Negativação indevida do nome do consumidor: o que diz a lei e como a Justiça decide os valores de indenização
A negativação indevida do nome do consumidor é uma das situações mais comuns enfrentadas nas relações de consumo no Brasil. Recentemente, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) aumentou o valor de uma indenização concedida a uma comerciante contra a Via Varejo Ltda. (Ponto Frio). A decisão reforçou o entendimento de que a empresa responde civilmente quando inscreve o nome de um consumidor em cadastros de inadimplentes sem fundamento legal, configurando falha na prestação de serviço.
Neste caso, a consumidora tentou diversas vezes quitar uma dívida, mas foi impedida por erro no código de barras e pela ausência de emissão de boleto por parte da empresa. Mesmo sem culpa, ela teve seu nome incluído nos órgãos de proteção ao crédito. O Tribunal reconheceu a responsabilidade da empresa e elevou o valor da indenização por danos morais para R$ 19 mil. O episódio é um exemplo prático da aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da proteção legal contra condutas abusivas.
A proteção do consumidor e a responsabilidade do fornecedor
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) é a principal norma que protege o cidadão em situações como essa. O artigo 14 da referida lei estabelece:
“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
Esse dispositivo consagra a responsabilidade objetiva do fornecedor. Isso significa que, comprovado o defeito na prestação do serviço, a empresa deve reparar o dano, ainda que não tenha agido com dolo ou culpa.No caso julgado pelo TJMG, ficou comprovado que a falha no sistema de cobrança e a ausência de solução administrativa impediram a quitação da dívida. Assim, a negativação foi considerada indevida e configurou dano moral presumido, sem necessidade de prova do prejuízo concreto.
Além disso, o artigo 22 do mesmo código impõe às empresas o dever de prestar serviços adequados, seguros e contínuos:
“Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.”
Embora voltado ao setor público, esse artigo é interpretado em conjunto com o dever geral de boa-fé e eficiência que se aplica a todas as relações de consumo, inclusive às empresas privadas.
A negativação indevida e o dano moral presumido
A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que a inscrição indevida do nome do consumidor em cadastros restritivos de crédito causa dano moral presumido. Ou seja, o abalo à reputação e à dignidade da pessoa é presumido pela própria ilicitude do ato, dispensando prova de sofrimento ou prejuízo material.
Em decisões reiteradas, o STJ tem afirmado que “a indevida inscrição em cadastros de inadimplentes enseja dano moral in re ipsa”. Essa expressão significa que o dano decorre automaticamente do ato ilícito, bastando a comprovação da negativação injusta.
No caso da comerciante mineira, o Tribunal reconheceu que, mesmo diante da tentativa de regularizar a dívida, a empresa manteve o nome da cliente negativado, agindo de forma negligente. Essa conduta violou o dever de cuidado e o princípio da boa-fé objetiva previsto no artigo 422 do Código Civil, que dispõe:
“Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
O papel da boa-fé e o dever de cooperação
A relação entre consumidor e fornecedor deve se pautar pela boa-fé e pelo dever de cooperação. A empresa, ao perceber um erro em seu sistema de cobrança, deve oferecer meios eficazes para o consumidor resolver o problema. Quando se omite ou dificulta a regularização, o fornecedor viola a confiança legítima depositada pelo cliente e responde pelos danos causados.
O juiz relator do caso, desembargador Valdez Leite Machado, ressaltou que houve “defeito na prestação de serviços”, pois ficou claro que a consumidora não conseguiu quitar a dívida por culpa exclusiva da empresa. As demais desembargadoras, Evangelina Castilho Duarte e Cláudia Maia, acompanharam integralmente o voto, destacando o caráter pedagógico da indenização.
O Código Civil e a reparação do dano moral
A base legal para indenização por dano moral está no artigo 186 do Código Civil, que determina:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Complementa o artigo 927 do mesmo código:
“Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Esses dispositivos asseguram ao consumidor o direito de ser indenizado sempre que houver violação de direito decorrente de conduta ilícita, ainda que o dano não seja material. No contexto da negativação indevida, o dano moral é reconhecido pela própria ofensa à honra e à imagem do consumidor perante o mercado.
O valor da indenização e o critério de proporcionalidade
A fixação do valor da indenização por dano moral deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O objetivo é compensar o dano sofrido e, ao mesmo tempo, desestimular novas condutas abusivas. No caso da Via Varejo, a indenização foi majorada para R$ 19 mil.
O desembargador destacou que a quantia fixada em primeiro grau não refletia adequadamente a gravidade da falha e a repercussão do dano na vida da consumidora. O aumento teve caráter compensatório e pedagógico, considerando a capacidade econômica da empresa e a necessidade de evitar reincidência.
O Superior Tribunal de Justiça orienta que o valor da indenização deve ser suficiente para reparar o dano, mas sem gerar enriquecimento indevido. Cada caso é analisado individualmente, levando-se em conta fatores como a duração da negativação, a tentativa de solução administrativa e a conduta do fornecedor.
O dever de informação e o direito à correção imediata
Outro ponto relevante é o artigo 43, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece:
“O consumidor, sempre que encontrar inexatidão em seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.”
A norma garante ao consumidor o direito de correção imediata de qualquer informação incorreta que conste em bancos de dados de crédito. Assim, ao ser informado da negativação, o fornecedor deve tomar medidas para retificar o erro sem demora. A omissão nesse dever agrava o dano moral e reforça o direito à indenização.
Quando a negativação é legítima
Por outro lado, é importante diferenciar a negativação indevida daquela que é legítima. Quando a dívida é real, comprovada e comunicada adequadamente ao consumidor, a inclusão do nome nos cadastros de inadimplentes é permitida por lei. O artigo 43, § 2º, do CDC prevê:
“A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.”
Assim, o fornecedor deve comprovar a existência da dívida e notificar o consumidor antes de proceder à inscrição. Caso essas exigências sejam cumpridas, não há que se falar em dano moral. No entanto, quando há erro, omissão ou descumprimento do dever de informação, a negativação torna-se ilícita e gera responsabilidade civil.
A importância da prova e da atuação do advogado
Nos casos de negativação indevida, a prova documental é essencial. O consumidor deve reunir comprovantes de pagamento, protocolos de atendimento, e-mails e registros de tentativas de solução administrativa. Essas provas demonstram a boa-fé e reforçam a responsabilidade da empresa.
O advogado, ao ingressar com a ação, deve formular pedidos de declaração de inexistência do débito, retirada imediata do nome dos cadastros de inadimplentes e indenização por danos morais. O juiz, ao analisar o conjunto probatório, verificará se houve falha do fornecedor e se o dano moral está configurado.
Conclusão: a inscrição indevida no SERASA
A decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais reforça o papel essencial do Poder Judiciário na defesa da dignidade do consumidor. A inscrição indevida no SERASA do nome do consumidor afeta não apenas o crédito, mas também a reputação e a tranquilidade pessoal de quem sofre a restrição injusta.
A elevação do valor da indenização para R$ 19 mil representa uma resposta proporcional ao dano sofrido e uma advertência clara às empresas que descumprem seus deveres legais.O caso demonstra que a Justiça brasileira tem atuado com firmeza para garantir o cumprimento do Código de Defesa do Consumidor e preservar o equilíbrio nas relações comerciais.
Em última análise, o consumidor que enfrenta uma inscrição indevida deve buscar orientação jurídica imediata. A lei é clara: ninguém pode ter seu nome negativado sem justa causa. E, quando isso ocorre, a reparação é não apenas um direito, mas uma forma de restabelecer a confiança e a segurança nas relações de consumo.







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