Como fazer INVENTÁRIO quando há testamento?
- Thales de Menezes
- 21 de mar. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 6 de nov.

Pensar na morte ainda é um tabu para muitos brasileiros. Contudo, é fundamental reconhecer que o falecimento é um evento certo. Ele gera consequências jurídicas inevitáveis no patrimônio da pessoa falecida e de seus herdeiros.
Nesse momento delicado, marcado pelo luto e pela dor, surgem obrigações burocráticas. Entre elas, destaca-se o inventário com testamento, quando houver. Muitas famílias enfrentam dúvidas sobre os procedimentos legais a serem adotados. Por isso, este artigo esclarece os principais pontos que envolvem essa questão.
O que é testamento e o que é inventário?
Antes de tudo, é essencial distinguir os conceitos de testamento e inventário. O testamento é a manifestação de vontade de uma pessoa viva sobre a destinação de seu patrimônio após a morte.
Já o inventário é o procedimento jurídico que visa apurar e descrever todos os bens, direitos e obrigações deixados pelo falecido. Esse processo é necessário para permitir a partilha entre os herdeiros.
Portanto, o testamento é o ato de vontade do autor da herança; o inventário é o meio legal para concretizar essa vontade. Ambos são institutos distintos, mas complementares no direito sucessório.
O que pode ser disposto em testamento?
O Código Civil em seu artigo 1.846 explica o que significa o termo "legítima". Esse termo será muito importante para entendermos esse assunto. Veja:
Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.
Já em seu artigo de número 1.857 do mesmo diploma determina que toda pessoa poderá escolher com quem ficarão seus bens após sua partida, mas a legítima deverá ser respeitada. Veja:
"Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte. § 1 o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento."
Isso significa que a pessoa tem o direito de escolher quem ficará com a metade de seus bens, já que a outra a outra metade, chamada de “legítima”, é reservada por lei aos herdeiros necessários.
A propósito, herdeiros necessários são os seguintes: descendentes, ascendentes e cônjuge ou companheiro, conforme artigo 1.845 do mesmo diploma:
"Art. 1.845, CC: São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge".
Além de bens móveis e imóveis, o testamento pode conter disposições sobre sepultamento, nomeação de tutor para filhos menores ou até reconhecimento de filhos.
Caso o testador deseje dispor apenas de pequenas determinações pessoais, como instruções para o funeral ou legado de objetos simbólicos, poderá utilizar o codicilo. O codicilo é regido pelos artigos 1.885 a 1.890 do Código Civil e não exige as mesmas formalidades do testamento.
Tipos de testamento previstos em lei
O Código Civil brasileiro reconhece três formas principais de testamento. Cada uma delas obedece a requisitos específicos de forma e validade.
O testamento público é o mais seguro e recomendado. Ele é lavrado em cartório, na presença de duas testemunhas, e lido em voz alta pelo tabelião antes da assinatura. O artigo 1.864 prevê:
Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público: I - ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos; II - lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial; III - ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião. Parágrafo único. O testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma.
Já o testamento cerrado é escrito à mão pelo próprio testador. Ele é lacrado e entregue ao tabelião na presença de duas testemunhas. Só será aberto após a morte do testador, sob pena de revogação automática.
Por fim, o testamento particular é redigido pelo testador, assinado por ele e por três testemunhas. O documento deve ser lido em voz alta na presença de todas as partes. Esse tipo é menos seguro, pois depende da validação judicial após o falecimento.
O que fazer após o falecimento do testador?
Quando o testador morre, inicia-se o processo sucessório. Primeiro, é necessário buscar a abertura, o registro e o cumprimento do testamento. Esse é um procedimento judicial específico.
Após a validação judicial do testamento, inicia-se o inventário. O inventário tem como objetivo arrolar todos os bens, direitos e dívidas do falecido. Esse levantamento é essencial para a partilha justa entre os herdeiros.
Durante o processo, os herdeiros devem nomear um inventariante. Esse representante administra o espólio até a conclusão da partilha. Ele responde judicialmente pela correta gestão dos bens.
O Ministério Público e a Procuradoria do Estado acompanham o inventário. Eles verificam a regularidade do processo e a correta arrecadação do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação).
Como saber se o falecido deixou testamento?
Muitas famílias desconhecem se o ente querido deixou testamento. Nesses casos, é possível consultar o CENSEC – Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados.
O CENSEC reúne dados de todos os cartórios do país. Por meio dele, é possível verificar a existência de testamento público ou cerrado registrado.
Contudo, é importante lembrar que testamentos particulares e codicilos não são registrados no CENSEC. Eles só são conhecidos se forem apresentados pelos herdeiros ou encontrados entre os pertences do falecido.
Se um testamento particular for encontrado após a morte, ele deverá ser apresentado ao juízo competente. Caberá ao juiz homologar sua validade, após oitiva das testemunhas e análise formal.
Consequências da não abertura do inventário
Muitas pessoas acreditam que podem simplesmente continuar utilizando os bens do falecido. Entretanto, a lei exige a abertura do inventário em até dois anos após a morte.
Enquanto o inventário não for concluído, os herdeiros não podem vender, doar, hipotecar ou alugar os bens do espólio. Qualquer ato de alienação será considerado nulo.
Além disso, o cônjuge sobrevivente não pode se casar novamente antes da partilha. O artigo 1.523, inciso V, do Código Civil proíbe o novo casamento até que o inventário seja encerrado:
"Art. 1.523, CC: Não devem casar: (...) V – o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha a seus herdeiros".
Essa regra visa proteger os herdeiros do falecido. Sem a partilha, o patrimônio poderia se confundir com o de um novo cônjuge, gerando conflitos futuros.
Inventário extrajudicial e a existência de testamento
O Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo (Provimento CG 40/12) facilitou o inventário extrajudicial. Contudo, há restrições quando há testamento.
O inventário extrajudicial só é possível se não houver testamento válido em vigor. Isso está previsto no artigo 610, do Código de Processo Civil:
"Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. § 1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras. § 2 o O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial."
Todavia, o artigo 129 do Provimento CG 40/12 traz uma exceção importante. Ele permite o inventário extrajudicial mesmo com testamento, desde que este tenha sido revogado, tenha se tornado caduco ou tenha sido declarado judicialmente inválido.
Assim, se o testamento existir e for válido, o inventário deverá ser judicial. Isso assegura o cumprimento rigoroso da vontade do falecido e protege os direitos de todos os herdeiros.
Mas é importante destacar que algumas decisões do STJ costumam flexibilizar essa regra e permitir inventários extrajudiciais até mesmo quando há testamento.
Prazos legais e penalidades por atraso
O artigo 611 do Código de Processo Civil estabelece o prazo de até 60 dias para a abertura do inventário após a morte. Contudo, na prática, esse prazo é raramente cumprido.
Art. 611. O processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de 2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte.
O Código Tributário Nacional, por sua vez, prevê que o ITCMD deve ser pago em até 180 dias após o falecimento. O atraso gera multa e juros.
Além disso, a demora excessiva no inventário pode levar à intervenção do Ministério Público. Em casos extremos, o juiz pode nomear um inventariante dativo, mesmo contra a vontade dos herdeiros.
Portanto, é recomendável iniciar o processo assim que possível. Isso evita complicações tributárias, judiciais e familiares.
Conclusão sobre inventário quando há testamento
O inventário com testamento é um processo que exige rigor técnico e sensibilidade humana. Ele envolve não apenas bens, mas também emoções e laços familiares.
Quando o falecido deixa um testamento claro e válido, as chances de conflito entre herdeiros diminuem significativamente. O testamento antecipa decisões que, de outra forma, seriam tomadas na Justiça.
Por isso, recomenda-se o planejamento sucessório com orientação jurídica. Um bom testamento, redigido em cartório, pode poupar a família de anos de disputas judiciais.
Se você perdeu um ente querido que deixou testamento, procure um advogado especializado em direito sucessório. Ele orientará sobre os próximos passos do inventário com testamento.
Lembre-se: a lei protege a vontade do falecido, mas também garante os direitos dos herdeiros. O equilíbrio entre esses dois pilares é o que dá segurança jurídica à sucessão.
Não deixe o inventário com testamento para depois. Quanto antes o processo for iniciado, mais rápido sua família poderá seguir em frente — com tranquilidade jurídica e emocional.
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