Juiz extingue 1.476 processos com indícios de ADVOCACIA PREDATÓRIA
- Thales de Menezes
- 4 de jun. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: há 4 dias

A advocacia predatória é uma prática que vem preocupando o Poder Judiciário e a Ordem dos Advogados do Brasil. O termo se refere à propositura em massa de ações judiciais padronizadas, muitas vezes sem base fática ou documental, com o objetivo de obter vantagem econômica indevida. Essa conduta afeta a credibilidade do sistema de justiça, prejudica os jurisdicionados e viola deveres éticos da profissão.
Recentemente, o juiz de Direito Rômulo Macedo Bastos, da Vara Única da Comarca de Saloá, em Pernambuco, extinguiu 1.476 processos ajuizados por quatro advogados por identificá-los como casos de advocacia predatória. O magistrado verificou que os profissionais ingressaram com ações repetitivas, com documentos ilegíveis ou extemporâneos, e indícios de captação indevida de clientela.
Este caso reacende o debate sobre os limites da atuação advocatícia, o papel da ética na advocacia e as consequências penais, civis e administrativas dessa conduta.
O que é advocacia predatória
A advocacia predatória ocorre quando advogados ingressam com ações judiciais em grande quantidade, sem lastro fático suficiente, com petições idênticas e pedidos artificiais. O objetivo, em muitos casos, é obter acordos ou indenizações rápidas, ainda que sem justa causa.
Essa prática contraria o dever de zelo e probidade profissional, violando a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB). O artigo 31 dispõe que “o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia”.
Além disso, o artigo 34, inciso IV, do mesmo diploma legal, considera infração disciplinar “angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros”. O artigo 34, inciso XXV, também prevê como infração “locupletar-se, por qualquer forma, à custa do cliente ou da parte adversa, por meio de valores recebidos indevidamente”.
Portanto, quando o profissional move centenas de processos padronizados, capta clientes de maneira irregular e busca ganhos ilícitos, ele afronta diretamente esses dispositivos.
Fundamentos legais e decisões judiciais sobre advocacia predatória
A decisão proferida na Comarca de Saloá teve base em diversos fundamentos legais. O juiz Rômulo Macedo Bastos utilizou precedentes do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ/PE), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do próprio Estatuto da OAB, além do Código Penal e do Código de Processo Civil (CPC).
O artigo 79 do CPC estabelece que “responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente”. Já o artigo 80 define que há litigância de má-fé quando a parte “usa do processo para conseguir objetivo ilegal”, “altera a verdade dos fatos” ou “age de modo temerário”.
Nos casos analisados em Saloá, o juiz observou a existência de petições genéricas e repetitivas, documentos extemporâneos e procurações com poderes amplos para levantamento de valores, inclusive após o falecimento de autores. Esses elementos demonstram o abuso do direito de ação, configurando litigância de má-fé e prática de advocacia predatória.
O Código Penal, em seu artigo 171, também pode ser aplicado em situações mais graves, quando há indícios de fraude ou apropriação indevida de valores pertencentes a clientes. Nesses casos, o advogado pode responder criminalmente por estelionato ou apropriação indébita.
Limitações legais para atuação fora da comarca
Outro ponto destacado pelo magistrado foi o desrespeito ao artigo 10, §2º, da Lei nº 8.906/94, que dispõe:
“O advogado que atuar em causa fora do território de sua inscrição principal não poderá postular em mais de cinco causas por ano, salvo se associar-se a advogado local.”
Segundo o juiz, um dos advogados envolvidos ultrapassou a cota permitida, chegando a propor dezenas de ações em uma comarca onde sequer possuía escritório ou vínculo profissional. Essa conduta, além de violar o Estatuto da OAB, reforça o caráter massificado e irregular das demandas ajuizadas.
Captação ilícita de clientela e vulnerabilidade social
A decisão judicial também destacou a suspeita de captação indevida de clientela, crime previsto no artigo 34, inciso IV, do Estatuto da OAB. De acordo com o juiz, havia indícios de que os advogados se utilizavam de sindicatos locais para captar clientes, muitos deles idosos e residentes na zona rural.
A prática é especialmente grave quando se aproveita da vulnerabilidade social de pessoas analfabetas ou de baixa renda. O magistrado ressaltou que não é razoável supor que cidadãos nessas condições tenham procurado espontaneamente advogados de outro estado para ingressar com ações. Isso evidencia a necessidade de fiscalização rigorosa por parte da OAB e do Ministério Público.
A litigância de má-fé e suas consequências jurídicas
A litigância de má-fé ocorre quando a parte ou seu advogado utiliza o processo para fins ilícitos, contrários à boa-fé e à lealdade processual. O artigo 81 do CPC prevê que
“de ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa”.
Além da multa, o litigante de má-fé pode ser condenado a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que causou. No caso da advocacia predatória, essa condenação pode recair sobre o próprio advogado, quando ficar demonstrado que ele agiu com dolo, fraude ou abuso do direito de ação.
O STJ tem reiterado que a advocacia predatória representa ofensa à boa-fé objetiva e à função social do processo. Em diversos precedentes, a Corte reconheceu que o uso do Poder Judiciário como instrumento de enriquecimento ilícito desvirtua a função essencial da advocacia e afronta a dignidade da Justiça.
Responsabilidade ética e disciplinar do advogado
A Ordem dos Advogados do Brasil possui o dever de fiscalizar e punir condutas que desonrem a profissão. O artigo 35 do Estatuto da OAB determina que as infrações disciplinares estão sujeitas a sanções como censura, suspensão e até exclusão dos quadros da Ordem, conforme a gravidade da conduta.
O advogado que pratica advocacia predatória pode ser suspenso preventivamente e responder a processo ético-disciplinar. A Resolução nº 02/2015 do Conselho Federal da OAB também autoriza a instauração de procedimentos investigativos quando há indícios de captação irregular de clientela ou ajuizamento massivo de ações sem fundamento.
É importante lembrar que a advocacia é função essencial à justiça, conforme estabelece o artigo 133 da Constituição Federal:
“O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
Portanto, o advogado deve exercer sua função com ética, responsabilidade e boa-fé, contribuindo para o fortalecimento do sistema de justiça.
A importância da boa-fé processual
A boa-fé processual é um dos pilares do direito contemporâneo. Ela impõe às partes e aos advogados o dever de agir com lealdade, transparência e honestidade no uso do processo judicial.
O artigo 5º do CPC determina que “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. O uso abusivo do direito de ação, portanto, viola esse princípio e compromete a credibilidade da advocacia.
A advocacia predatória compromete a confiança entre advogado e cliente, sobrecarrega o Poder Judiciário e desvirtua o verdadeiro papel da profissão: a defesa do direito e da justiça.
Conclusão
A decisão da Vara Única de Saloá representa um importante marco no combate à advocacia predatória no Brasil. O caso demonstra que o uso indevido do Judiciário, a captação ilícita de clientela e a propositura de ações fraudulentas não serão tolerados.
A advocacia deve se pautar pela ética, pela técnica e pela boa-fé. Cabe à OAB, aos tribunais e à sociedade coibir práticas abusivas e preservar a dignidade da profissão. O advogado é essencial à Justiça, mas sua atuação exige responsabilidade e compromisso com a verdade.
A luta contra a advocacia predatória é, em última análise, uma defesa da própria advocacia e da confiança que a sociedade deposita no sistema de justiça.
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