Juiz marca audiência presencial citando POESIAS: "cruzamento de almas"
- Thales de Menezes
- 4 de jun. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 10 de nov.

O uso de audiências virtuais tornou-se comum após a pandemia da Covid-19. Embora tenham modernizado o Judiciário, ainda suscitam questionamentos sobre a garantia da ampla defesa e da igualdade entre as partes. A recente decisão do juiz do Trabalho Adriano Antonio Borges, da 2ª Vara do Trabalho de Itabira/MG, reacendeu esse debate ao determinar que uma audiência fosse realizada de forma presencial, fundamentando-se não apenas em argumentos técnicos, mas também em valores constitucionais.
O magistrado destacou que o processo judicial é, acima de tudo, humano. Ele defendeu que a presença física em audiência preserva a dignidade, a igualdade e a essência da comunicação entre juiz, partes e testemunhas. Essa decisão se baseia em princípios fundamentais da Constituição Federal, que assegura o acesso à Justiça e a proteção contra a exclusão digital.
A base constitucional do direito à presença
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV, estabelece que:
“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
Esse princípio da inafastabilidade da jurisdição garante que qualquer pessoa tenha o direito de ser ouvida e de participar efetivamente do processo judicial.
No mesmo sentido, o artigo 1º, inciso III, da Constituição consagra a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. Esse valor é essencial para interpretar o modo como o processo deve ser conduzido.
Já o artigo 3º, inciso I, prevê como objetivo fundamental da República “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. O magistrado fundamentou sua decisão nesse ideal, defendendo que a virtualização excessiva pode gerar desigualdade social e afastar o cidadão do contato direto com a Justiça.
Além disso, o artigo 7º da Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil) garante às partes o direito à paridade de armas e à igualdade de tratamento. Esse dispositivo reforça que o processo deve respeitar as condições reais de cada participante, incluindo limitações tecnológicas.
Audiências virtuais e a igualdade processual
A implantação das audiências virtuais surgiu como medida emergencial durante a pandemia. No entanto, a continuidade dessa prática exige análise cuidadosa dos impactos sobre o contraditório e a ampla defesa.
O artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal assegura:
“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
Na prática, esse direito significa que ambas as partes devem ter igualdade de condições para se manifestar e participar da audiência. Entretanto, a desigualdade de acesso à tecnologia pode comprometer essa garantia.
Muitos trabalhadores e cidadãos brasileiros ainda não possuem conexão estável, equipamentos adequados ou domínio técnico suficiente para participar de uma audiência virtual com segurança. A ausência desses recursos gera o que o magistrado chamou de “hipossuficiência tecnológica”, criando uma nova forma de exclusão social.
Assim, o juiz Adriano Borges argumentou que o processo digital não pode substituir a presença física sem considerar os impactos humanos e sociais. Para ele, a Justiça não deve ser apenas acessível, mas também sensível à realidade das partes.
O processo judicial como experiência humana
Em seu despacho, o magistrado utilizou linguagem poética para expressar que o ato de julgar envolve empatia e contato humano. Ele afirmou que “querem transformar o juiz em máquina de ler QR Code facial”, criticando a mecanização da Justiça e a redução do processo à tela de um computador.
Essa visão encontra respaldo no artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942), que exige que o julgador considere as consequências práticas de sua decisão. O contato físico, o olhar e a escuta direta das partes são elementos que influenciam na percepção da verdade e na formação do convencimento judicial.
O juiz defendeu que a audiência presencial é mais do que um ato processual. É um espaço de encontro e reconhecimento, onde o cidadão se sente ouvido e respeitado. Esse aspecto simbólico é essencial para a legitimação da Justiça.
A regulamentação das audiências virtuais
A Resolução nº 354/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autorizou a realização de atos processuais por meio de videoconferência, inclusive audiências e sustentações orais. O objetivo era garantir a continuidade da prestação jurisdicional em tempos de pandemia.
Contudo, o artigo 5º da própria resolução determina que:
“o juiz poderá, de forma fundamentada, determinar que o ato processual seja realizado presencialmente, caso entenda necessário.”
Portanto, a norma reconhece que a decisão sobre o formato da audiência deve considerar as peculiaridades de cada caso. O juiz de Itabira exerceu exatamente essa prerrogativa ao determinar que a audiência fosse presencial, com base na necessidade de garantir igualdade e efetividade à prestação jurisdicional.
Além disso, o Código de Processo Civil também prevê, em seu artigo 139, inciso II, que cabe ao juiz “velar pela duração razoável do processo e pela efetividade dos atos processuais”. Essa efetividade não pode ser alcançada se uma das partes estiver em desvantagem por limitações tecnológicas.
A tecnologia e os limites da Justiça digital
A modernização do Judiciário é inevitável. No entanto, a decisão do juiz Adriano Borges evidencia que a tecnologia deve servir à Justiça, e não o contrário. O processo eletrônico trouxe agilidade, mas também criou desafios éticos e sociais.
O artigo 8º do Código de Processo Civil impõe que o juiz interprete a lei conforme os valores sociais e o bem comum. Portanto, a adoção de audiências virtuais deve respeitar o equilíbrio entre eficiência e humanidade.
A Justiça digital não pode ser um obstáculo para o trabalhador, o cidadão idoso ou qualquer pessoa com dificuldade de acesso à tecnologia. O direito processual não se resume a formalidades, mas deve refletir os princípios da igualdade e da dignidade humana.
Assim, a virtualização total do Judiciário, sem alternativas presenciais, pode contrariar a própria essência do Estado Democrático de Direito.
Audiência presencial como garantia de efetividade
A audiência é o momento em que o juiz avalia pessoalmente o comportamento das partes, o tom das declarações e as reações espontâneas das testemunhas. Esses elementos são fundamentais para a busca da verdade real.
O artigo 765 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) assegura ao juiz ampla liberdade na condução do processo:
“Os juízes e tribunais do trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.”
Esse dispositivo garante autonomia ao magistrado para decidir o formato mais adequado da audiência, inclusive a presencial, sempre que entender necessário para alcançar a justiça do caso concreto.
Ao determinar a realização presencial, o juiz de Itabira fundamentou-se nesse princípio e destacou que o processo não é apenas um conjunto de documentos e telas, mas uma relação humana baseada no diálogo e na confiança.
O simbolismo da decisão
O despacho ganhou notoriedade não apenas pela forma poética, mas pelo conteúdo profundamente humano. Ao afirmar que “somos inteiramente de carne e osso; de alma e coração”, o magistrado enfatizou que o direito processual não pode se descolar da realidade das pessoas.
Sua decisão reforça que o papel do Judiciário vai além de aplicar a lei. Ele deve preservar a humanidade e a empatia, mesmo em tempos de transformação digital.
Ao optar pela audiência presencial, o juiz não negou o avanço tecnológico, mas lembrou que a Justiça deve permanecer acessível, compreensível e próxima de quem dela precisa.
Conclusão: a Justiça entre o humano e o digital
A decisão proferida em Itabira reacende o debate sobre o equilíbrio entre tecnologia e humanidade no Poder Judiciário. A audiência virtual é uma ferramenta útil, mas não pode substituir o contato humano quando este é essencial para garantir justiça.
O processo judicial é, antes de tudo, um encontro de pessoas em busca de verdade e reconhecimento. O direito à presença física protege a dignidade, a igualdade e a efetividade da Justiça.
A Constituição, a CLT, o CPC e as resoluções do CNJ asseguram que o juiz tem liberdade para escolher o formato que melhor assegure o direito das partes. Em casos como esse, o presencial se torna não apenas uma opção, mas uma necessidade.
A tecnologia deve aproximar a Justiça do cidadão, jamais afastá-lo dela.
Processo: 0010180-38.2023.5.03.0171
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