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Mãe leva filha a terreiro de Candomblé e é processada pelo pai

  • Thales de Menezes
  • 13 de mai.
  • 5 min de leitura

terreiro de Candomblé

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu manter a absolvição de uma mãe que levou filha a terreiro de candomblé e foi acusada de lesionar ela durante uma cerimônia. O caso aconteceu em janeiro de 2021, em Campinas, no interior de São Paulo, e ganhou repercussão por colocar em evidência os limites entre práticas religiosas e a proteção da infância. Para os ministros da 6ª Turma da Corte, as instâncias inferiores já haviam tratado a questão com a profundidade necessária e, diante disso, não cabia a revisão da decisão na instância superior.

O episódio começou com uma denúncia feita pelo pai da criança, que alegou que a filha, à época com 10 anos, havia sido submetida a um ritual que envolvia pequenas escarificações com lâmina, o que teria causado lesões leves. A mãe, praticante do candomblé, teria levado a filha para participar da cerimônia religiosa como parte da vivência espiritual da família.

O Ministério Público entendeu que a conduta configuraria uma forma de lesão corporal, com base na proteção especial que envolve crianças e adolescentes. Sustentou ainda que o fato ocorrera no contexto de uma relação familiar e que, portanto, haveria elementos suficientes para caracterizar uma agressão, mesmo que simbólica ou culturalmente justificada.

Entretanto, a justiça de primeira instância não concordou com essa leitura. A mulher foi absolvida de forma sumária. Segundo o juiz do caso, não havia no ritual nenhum indício de prejuízo físico relevante, tampouco psicológico ou estético à criança. Além disso, a decisão destacou que a prática estava amparada pela liberdade religiosa e pelo direito dos pais de transmitirem sua fé aos filhos.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) confirmou essa conclusão. Os desembargadores ressaltaram que a escarificação realizada no contexto do candomblé não poderia ser vista como crime se não houvesse lesão concreta e significativa, o que não foi identificado no caso. As marcas deixadas no corpo da criança eram mínimas — cicatrizes lineares de cerca de 0,5 cm — e não deixaram sequelas. O tribunal foi firme ao dizer que o exercício de um direito constitucional, como a liberdade de crença, não pode se transformar em conduta penal sem que haja motivo legítimo e concreto para isso.

Mesmo assim, o Ministério Público recorreu ao STJ, insistindo que a absolvição havia sido precipitada e pedindo que o processo fosse reaberto para nova apuração. O relator, ministro Otávio de Almeida Toledo, discordou. Para ele, a discussão já havia sido suficientemente enfrentada pelas instâncias inferiores, com base em provas e fundamentos constitucionais. Com isso, o recurso não foi aceito.

O caso chama atenção por vários motivos. Primeiro, porque trata de um tema sensível e, ao mesmo tempo, recorrente: o embate entre práticas culturais ou religiosas e a noção contemporânea de proteção integral da criança. Segundo, porque expõe com clareza o quanto ainda há resistência social e institucional em lidar com religiões de matriz africana com o mesmo respeito conferido a outras tradições religiosas.

A denúncia feita pelo pai da criança e a atuação do Ministério Público, nesse contexto, levantam debates importantes: o que é liberdade religiosa na prática? Até que ponto um ritual espiritual pode ser visto como forma de violência? Quando uma intervenção do Estado é justificada e quando ela se transforma em repressão cultural?


LESÃO CORPORAL

O artigo 129 do Código Penal brasileiro define o crime de lesão corporal da seguinte forma:

Art. 129 – Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena: detenção, de três meses a um ano.

Essa é a forma mais simples do crime, conhecida como lesão corporal leve. Trata-se de uma infração penal comum, que pode ser praticada por qualquer pessoa, e que exige como núcleo da conduta a ofensa à integridade corporal (danos físicos visíveis) ou à saúde (física ou mental) de outra pessoa.

No entanto, como em toda norma penal, é necessário que se analise o contexto em que a conduta foi praticada para determinar se ela, de fato, configura crime. Nem toda intervenção sobre o corpo alheio constitui lesão corporal punível. Há hipóteses em que essa intervenção, mesmo causando alguma alteração física, é socialmente aceita, juridicamente autorizada ou constitucionalmente protegida. É exatamente isso que estava em jogo no caso que envolveu a mãe de Campinas/SP, absolvida após levar a filha, de 10 anos, a uma cerimônia religiosa de candomblé.

Segundo a denúncia, a mãe levou a filha a um ritual de candomblé onde a criança teria sofrido pequenas escarificações com lâmina, resultando em cicatrizes lineares de cerca de 0,5 cm. O pai da criança, contrário à prática, denunciou a mãe, alegando que a menina havia sido vítima de uma lesão corporal.

A acusação se baseava justamente no artigo 129 do Código Penal. Para o Ministério Público, a integridade física da criança foi ofendida, ainda que de forma leve, dentro de um contexto que mereceria reprovação penal. Argumentou-se, ainda, que a conduta ocorrera no âmbito familiar, o que agravaria sua gravidade sob o ponto de vista da proteção da infância.

A questão, no entanto, é mais complexa. A legislação penal não pode ser aplicada de maneira mecânica, desconsiderando o conteúdo cultural, religioso ou simbólico das ações. Por isso, o Judiciário entendeu que a escarificação leve praticada no contexto de um rito tradicional não se enquadrava como crime, pois:

  1. Não causou danos relevantes à saúde da criança.

  2. Não houve sofrimento físico, psicológico ou estético significativo.

  3. A prática estava inserida no exercício da liberdade religiosa, prevista na Constituição Federal.

  4. Os pais têm o direito de transmitir suas crenças aos filhos, dentro dos limites do respeito à dignidade e à integridade das crianças.

Com base nesses elementos, a mãe foi absolvida em todas as instâncias — incluindo o STJ — por atipicidade da conduta, ou seja, o fato praticado não era crime.


CONCLUSÃO SOBRE O CASO DO terreiro de Candomblé

A decisão do STJ, ao manter a absolvição, não resolve todas essas questões — e nem poderia —, mas sinaliza que há um esforço por parte do Judiciário em reconhecer e respeitar a pluralidade religiosa no Brasil. É um passo importante, especialmente em tempos nos quais a intolerância, muitas vezes disfarçada de zelo institucional, ainda encontra eco em diversas esferas da sociedade.

A mãe que levou a filha ao candomblé foi denunciada por um ato tradicional de sua fé.

A decisão do STJ, nesse sentido, representa mais do que um simples encerramento de caso. Ela afirma, mesmo que de forma indireta, que a diversidade cultural e religiosa não pode ser criminalizada com base em percepções pessoais ou crenças dominantes.

No fim das contas, esses dois episódios reforçam a importância de um Judiciário que saiba ouvir, que respeite as diferenças e que consiga manter sua independência — mesmo quando está sob ataque.

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