Mendonça concede regime aberto a mãe condenada por furto de fraldas
- Thales de Menezes
- 4 de jun. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 10 de nov.

O princípio da insignificância tem sido um dos temas mais debatidos no Direito Penal brasileiro. A recente decisão do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), reacendeu essa discussão ao conceder regime inicial aberto a uma mulher condenada pelo furto de quatro pacotes de fraldas avaliados em R$ 120. O caso, ocorrido em Montes Claros (MG), foi julgado no Habeas Corpus nº 225.706, após a negativa do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em aplicar o referido princípio.
Entenda o caso julgado pelo STF
A mulher havia sido condenada, em primeira instância, a um ano e dois meses de reclusão, em regime semiaberto, além do pagamento de 11 dias-multa. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve a condenação, e o STJ negou habeas corpus que pleiteava sua absolvição, sob o argumento de que a reincidência impediria o reconhecimento da insignificância do crime.
A Defensoria Pública de Minas Gerais recorreu ao Supremo Tribunal Federal sustentando a aplicação do princípio da insignificância, em razão do pequeno valor dos bens subtraídos. Argumentou ainda que a mulher era mãe solteira de três filhos e pedia sua absolvição ou, de forma subsidiária, o cumprimento da pena em regime aberto.
O ministro André Mendonça reconheceu a razoabilidade do pedido e fixou o regime inicial aberto. Para ele, embora o valor furtado não fosse considerado ínfimo, a pena imposta — inferior a quatro anos — permitia a fixação do regime mais brando.
O que é o princípio da insignificância
O princípio da insignificância é uma construção doutrinária e jurisprudencial que busca afastar a punição de condutas que, apesar de formalmente típicas, não produzem lesão relevante ao bem jurídico protegido pela lei penal. Ele visa evitar o uso desproporcional do Direito Penal em situações de mínima ofensividade.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, para a aplicação do princípio devem ser observados quatro critérios: mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade e inexpressividade da lesão jurídica provocada.
O artigo 155 do Código Penal define o crime de furto:
“Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.”
Quando a lesão é irrelevante, a jurisprudência entende que não há justa causa para a imposição da pena. O STF, em diversos julgados, tem reafirmado que o Direito Penal deve atuar apenas quando necessário à proteção de bens jurídicos relevantes.
A reincidência e a aplicação do princípio
Um dos pontos centrais do caso foi a reincidência da condenada. As instâncias inferiores negaram a aplicação do princípio da insignificância justamente por ela possuir antecedentes criminais por furto e receptação.
No entanto, o STF já consolidou o entendimento de que a reincidência, por si só, não impede a aplicação do princípio. O ministro André Mendonça, ao decidir, destacou que a reincidência deve ser considerada, mas não é suficiente para afastar a análise da insignificância. Em outras palavras, o juiz deve avaliar o contexto concreto de cada caso, ponderando o valor do bem, a intenção do agente e as circunstâncias sociais.
Essa visão é coerente com o princípio da individualização da pena, previsto no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal:
“A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.”
Portanto, a decisão do STF reforça que o Direito Penal deve atuar com proporcionalidade e razoabilidade, evitando punições desnecessárias em situações de pequeno impacto social.
A dosimetria da pena e o regime inicial
O ministro também fundamentou a concessão do regime inicial aberto com base no artigo 33 do Código Penal, que dispõe:
“Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto.§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios: a) o condenado a pena superior a 8 anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 anos e não exceda a 8, poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.”
A pena imposta à mulher — de 1 ano e 2 meses — é inferior a quatro anos, o que justifica a adoção do regime aberto, especialmente diante das circunstâncias do caso. Assim, ainda que o princípio da insignificância não tenha sido aplicado integralmente, a Corte reconheceu a desproporção do regime semiaberto para o delito praticado.
O papel do STF na concretização da justiça social
O caso revela um importante papel do STF na proteção dos direitos fundamentais e na promoção da justiça social. O Direito Penal não deve ser instrumento de repressão excessiva, mas de equilíbrio. O furto de bens de pequeno valor, praticado em contexto de vulnerabilidade social, deve ser analisado com sensibilidade e técnica jurídica.
O ministro André Mendonça ressaltou que o valor das fraldas — R$ 120 — equivalia a mais de 10% do salário mínimo da época. Assim, o montante não era considerado ínfimo. Ainda assim, a Corte reconheceu a necessidade de proporcionalidade na execução da pena, especialmente diante da condição de mãe e da baixa gravidade da conduta.
A evolução da jurisprudência sobre o princípio da insignificância
O STF tem longa trajetória na aplicação do princípio da insignificância. Um dos precedentes mais conhecidos é o Habeas Corpus nº 84.412/SP, de relatoria do ministro Celso de Mello. Naquele julgamento, o Tribunal definiu os requisitos para o reconhecimento da bagatela e afirmou que o Direito Penal não deve se ocupar de condutas inexpressivas.
Desde então, a Corte tem reafirmado que o princípio não é absoluto, mas deve ser analisado caso a caso. Em situações de reincidência, a avaliação deve considerar a gravidade dos antecedentes, a intenção do agente e o contexto social. Essa interpretação evita o uso desproporcional do sistema penal, promovendo uma aplicação mais humana e racional da lei.
A importância da Defensoria Pública
Outro ponto relevante nesse julgamento foi o papel da Defensoria Pública, essencial para garantir o acesso à Justiça de pessoas em situação de vulnerabilidade. A Constituição Federal, em seu artigo 134, estabelece:
“A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados.”
Sem a atuação da Defensoria, muitos cidadãos não teriam condições de recorrer às instâncias superiores. O caso demonstra a importância dessa instituição na efetivação dos direitos fundamentais e na busca por decisões mais justas e equilibradas.
Considerações finais: Regime aberto a mãe assaltante
A decisão do STF que determinou regime aberto a mãe que furtou das fraldas reafirma a necessidade de o Direito Penal atuar com moderação e humanidade. O reconhecimento do regime aberto, mesmo sem a absolvição, reflete o compromisso do Supremo com a proporcionalidade da pena e o respeito à dignidade da pessoa humana.
O princípio da insignificância continua sendo um instrumento essencial para evitar injustiças e sobrecarga do sistema penal. Sua aplicação exige sensibilidade e análise cuidadosa do contexto social e econômico em que o delito ocorreu. Casos como esse reforçam a ideia de que a Justiça deve ser firme, mas também justa e humana.
Processo: HC 225.706
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