Mercado Livre é CONDENADO a indenizar comprador
- Thales de Menezes
- 28 de out. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 10 de nov.

Nos últimos anos, o comércio eletrônico se tornou parte essencial da vida cotidiana dos brasileiros. A praticidade das compras online trouxe conforto, mas também novos riscos. Casos de golpes e fraudes em marketplaces se multiplicaram, o que levantou uma discussão jurídica relevante: qual é a responsabilidade das plataformas de e-commerce quando o consumidor é lesado por golpes praticados dentro de seus ambientes virtuais?
Recentemente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou o Mercado Livre a indenizar um comprador vítima de golpe durante uma transação feita pelo site. O consumidor adquiriu duas bicicletas, mas teve sua conta invadida e usada para aplicar fraudes. A Justiça reconheceu que a empresa não adotou medidas suficientes para proteger o usuário, determinando o pagamento de R$ 18.180 por danos morais.
Essa decisão onde o Mercado Livre é condenado a indenizar o consumidor reacende o debate sobre a responsabilidade civil das plataformas digitais e o alcance do dever de segurança previsto nas leis de proteção ao consumidor.
A responsabilidade objetiva nas relações de consumo
O ponto de partida para compreender a responsabilidade das plataformas de e-commerce está no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). O artigo 14 da referida lei dispõe:
“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
Essa norma consagra a chamada responsabilidade objetiva, ou seja, o fornecedor responde pelos danos causados, ainda que não haja culpa direta. Para que haja dever de indenizar, basta a demonstração do dano, do defeito na prestação do serviço e do nexo causal entre ambos.
No caso do Mercado Livre, o Tribunal entendeu que a falha no sistema de segurança da plataforma configurou um defeito na prestação do serviço, ainda que o golpe tenha sido praticado por terceiros. A empresa deveria ter mecanismos eficazes para impedir a invasão de contas e a prática de fraudes.
O dever de segurança e a confiança do consumidor
O Código de Defesa do Consumidor também impõe o dever de segurança aos fornecedores. O artigo 8º estabelece:
“Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.”
Esse dispositivo deixa claro que as empresas têm o dever de adotar medidas preventivas e de orientar o consumidor de forma transparente sobre os riscos do serviço. No ambiente virtual, isso significa investir em tecnologia e em protocolos que inibam golpes e invasões de contas.
As plataformas de e-commerce lucram com a intermediação de negócios e, por isso, devem assumir a responsabilidade pelos riscos inerentes ao ambiente que criam. A confiança do consumidor é a base da atividade comercial digital. Quando essa confiança é quebrada, a responsabilidade do fornecedor se impõe.
A teoria do risco do empreendimento
A jurisprudência brasileira aplica frequentemente a teoria do risco do empreendimento aos casos de consumo. Essa teoria, derivada do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, estabelece que:
“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
No contexto das plataformas digitais, essa teoria reforça que quem explora atividade econômica assume os riscos decorrentes dela. Assim, se o ambiente virtual propicia o contato entre consumidores e vendedores, a empresa deve garantir que esse espaço seja seguro.
O lucro obtido com a intermediação de negócios vem acompanhado da responsabilidade de proteger os usuários contra fraudes previsíveis.
A teoria do desvio produtivo do consumidor
Outro fundamento aplicado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, desenvolvida pelo jurista Marcos Dessaune. Essa teoria reconhece que o tempo desperdiçado pelo consumidor para resolver problemas causados por falhas na prestação do serviço gera dano indenizável.
No caso em análise, o comprador precisou acionar a Justiça para recuperar sua conta, além de perder tempo tentando reaver valores e limpar seu nome dentro da plataforma. O desembargador relator destacou que o tempo do consumidor é um bem jurídico relevante e que o abuso cometido pela empresa deve ser compensado.
Essa tese tem sido amplamente acolhida pelos tribunais brasileiros, pois reconhece que a perda de tempo útil representa violação aos direitos da personalidade, especialmente à dignidade do consumidor.
A responsabilidade solidária entre fornecedor e plataforma
O artigo 7º, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, determina que:
“Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação.”
Isso significa que, em transações realizadas dentro de marketplaces, tanto o vendedor quanto a plataforma podem ser responsabilizados. O consumidor não precisa identificar quem, entre os envolvidos, foi diretamente culpado pela fraude. Cabe à Justiça determinar a divisão interna de responsabilidades após o ressarcimento ao consumidor.
Essa solidariedade tem sido aplicada com frequência em casos de fraudes e golpes virtuais. O entendimento majoritário é de que as plataformas, ao permitirem a realização de negócios em seu ambiente, assumem parte do risco e devem responder solidariamente pelos danos causados.
A boa-fé e a transparência nas relações digitais
O artigo 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, estabelece como princípio básico da política nacional de consumo a boa-fé objetiva. Isso significa que tanto o fornecedor quanto o consumidor devem agir com lealdade e transparência.
Contudo, espera-se muito mais do fornecedor, que detém maior poder técnico e econômico. Nas relações digitais, a boa-fé exige que a plataforma adote sistemas de segurança robustos, oriente o usuário sobre práticas seguras e aja de forma imediata quando detectar irregularidades.
A falha em qualquer desses aspectos pode configurar violação à boa-fé objetiva e gerar dever de indenizar.
A jurisprudência sobre golpes em plataformas digitais
Os tribunais brasileiros têm consolidado o entendimento de que as plataformas de comércio eletrônico respondem objetivamente pelos danos decorrentes de fraudes ocorridas em seu ambiente. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou precedentes importantes nesse sentido.
No AgInt no AREsp 1.283.580/SP, o STJ reconheceu a responsabilidade de uma empresa de hospedagem de anúncios por não fiscalizar atividades fraudulentas de usuários. O tribunal entendeu que a empresa se beneficiava economicamente da atividade e, portanto, tinha o dever de zelar pela segurança do ambiente virtual.
De modo semelhante, em diversos julgados estaduais, o Poder Judiciário tem reforçado que o dever de indenizar decorre da falha na prestação do serviço, mesmo quando o golpe é praticado por terceiros.
A segurança digital como obrigação empresarial
Em um cenário de crescente digitalização, a segurança da informação é elemento essencial da prestação de serviços. A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) reforça essa obrigação. O artigo 46 da LGPD determina que:
“Os agentes de tratamento devem adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão.”
Embora a LGPD tenha foco na proteção de dados pessoais, ela também impõe às empresas o dever de zelar pelo ambiente em que os usuários interagem. No contexto das plataformas de e-commerce, isso inclui prevenir fraudes, evitar clonagem de contas e proteger informações de login e pagamento.
O descumprimento desse dever pode acarretar não apenas responsabilidade civil, mas também sanções administrativas e reputacionais.
O dano moral nas fraudes eletrônicas
O dano moral não se resume ao prejuízo financeiro. Ele decorre do sofrimento, da angústia e do constrangimento causados pela falha do serviço. No caso do Mercado Livre, o Tribunal reconheceu que o consumidor foi vítima de situação humilhante e desgastante, que ultrapassou os meros aborrecimentos do cotidiano.
A fixação do valor indenizatório deve observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta a gravidade do dano e a capacidade econômica do fornecedor.
A indenização de R$ 18.180 imposta à empresa cumpre função pedagógica e reparatória, desestimulando a negligência em situações semelhantes.
Conclusão: Mercado Livre é CONDENADO
A decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais reafirma a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao ambiente digital. A responsabilidade das plataformas de e-commerce é objetiva, e a alegação de que o golpe foi praticado por terceiros não exime a empresa de reparar o dano.
O ambiente virtual não é uma terra sem lei. As empresas que intermediam transações devem garantir segurança, transparência e confiança. Ao lucrar com a atividade, assumem o risco pelos danos decorrentes de falhas previsíveis.
O consumidor, por sua vez, deve manter cautela e seguir as orientações oficiais das plataformas, evitando negociar fora dos canais autorizados. Contudo, mesmo diante da imprudência parcial do usuário, a responsabilidade empresarial permanece quando a falha decorre de vulnerabilidade do sistema.
O caso analisado representa um avanço importante na consolidação da proteção do consumidor digital no Brasil. A Justiça reconheceu que a dignidade e o tempo do consumidor são valores protegidos pela lei. O comércio eletrônico deve evoluir sem abrir mão da confiança, que é a base de qualquer relação de consumo.
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