Provedores são responsáveis por CONTEÚDO ILÍCITO de usuários
- Thales de Menezes
- 4 de jun. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 10 de nov.

A responsabilidade das redes sociais por conteúdo ilícito é um dos temas jurídicos mais discutidos da atualidade. A questão ganhou força com o avanço das plataformas digitais e com o uso massivo das redes sociais como principal meio de informação e comunicação.
O ponto central do debate é definir até que ponto as plataformas, como Facebook, Instagram, X (antigo Twitter) e YouTube, podem ser responsabilizadas por conteúdos ofensivos, criminosos ou sabidamente falsos publicados por seus usuários.
O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa atualmente a constitucionalidade do artigo 19 da Lei nº 12.965/2014, o Marco Civil da Internet, que trata da responsabilidade civil dos provedores de aplicações e serviços de internet por atos de terceiros. A discussão busca equilibrar dois valores fundamentais: a liberdade de expressão e a proteção da honra, imagem e dignidade da pessoa humana.
O que diz o artigo 19 do Marco Civil da Internet
O artigo 19 da Lei nº 12.965/2014 estabelece o seguinte:
“Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”
Esse dispositivo consagra uma regra de proteção para as plataformas digitais. Segundo o texto literal da lei, a responsabilidade civil do provedor só surge após ordem judicial que determine a exclusão do conteúdo ilícito.
Em outras palavras, as redes sociais não têm o dever prévio de fiscalizar o que é publicado pelos usuários, nem podem ser automaticamente responsabilizadas por mensagens ofensivas, caluniosas ou criminosas postadas por terceiros.
O objetivo do legislador foi proteger a liberdade de expressão, evitando qualquer forma de censura prévia e garantindo que as plataformas atuem apenas mediante provocação judicial específica.
O questionamento da constitucionalidade do artigo 19
Apesar dessa proteção legal, o dispositivo tem sido objeto de intensos questionamentos no Supremo Tribunal Federal. O Recurso Extraordinário nº 1.037.396 (Tema 987 da repercussão geral) discute se o artigo 19 do Marco Civil é compatível com a Constituição Federal.
O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, manifestou-se a favor de uma interpretação mais ampla da responsabilidade das redes sociais. Segundo ele, os provedores devem atuar de forma proativa para prevenir violações de direitos fundamentais e remover conteúdos manifestamente ilícitos, independentemente de ordem judicial.
Para o procurador, essa posição é necessária para proteger valores constitucionais como a dignidade da pessoa humana, a privacidade, a honra e a imagem das pessoas. Ele argumenta que a velocidade da informação na internet exige resposta imediata, sob pena de a violação causar danos irreversíveis.
Liberdade de expressão e direitos fundamentais
A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu artigo 5º, inciso IV, que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. O inciso IX reforça que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Entretanto, a própria Constituição impõe limites à liberdade de expressão. O inciso X do artigo 5º determina que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Dessa forma, o exercício da liberdade de expressão não é absoluto. Ele deve coexistir com outros direitos fundamentais igualmente protegidos, como a dignidade humana, a honra e a privacidade.
O grande desafio jurídico está em harmonizar esses valores. As redes sociais não podem se tornar instrumentos de censura, mas também não podem ser ambientes de impunidade, onde a desinformação e o discurso de ódio circulam sem controle.
O entendimento do Ministério Público Federal
Para o Ministério Público Federal, a responsabilidade das redes sociais por conteúdo ilícito deve seguir um caminho intermediário.
As plataformas não devem fiscalizar todo o conteúdo publicado — o que configuraria censura e violaria a liberdade de expressão —, mas devem agir com diligência quando receberem denúncia ou identificarem publicações manifestamente criminosas.
Augusto Aras defende que, nesses casos, não é necessária uma ordem judicial prévia para remover o conteúdo, desde que o material seja sabidamente ilícito. Ele cita como exemplo publicações que contenham calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, discursos de ódio ou informações sabidamente falsas.
Segundo ele, essa conduta se justifica pela celeridade da informação na internet. A demora na exclusão de um conteúdo ilegal pode amplificar o dano e torná-lo irreversível, especialmente quando atinge a reputação de pessoas físicas ou jurídicas.
A proposta de tese do Procurador-Geral da República
No contexto do Tema 987 da repercussão geral, Augusto Aras propôs a seguinte tese jurídica:
O provedor de hospedagem de perfis pessoais (como redes sociais) não deve controlar previamente o conteúdo que circula em seus servidores.
O provedor de aplicações de internet, independentemente de ordem judicial, deve atuar com devida diligência para observar direitos fundamentais, prevenir violações e reparar danos decorrentes de condutas de usuários que não estejam protegidas pela liberdade de expressão.
Essa formulação busca estabelecer uma responsabilidade proporcional: sem controle prévio de todo o conteúdo, mas com a obrigação de agir de forma responsável e eficaz quando houver violação evidente.
Fiscalização de conteúdo e Tema 533 do STF
Além do Tema 987, o Recurso Extraordinário nº 1.057.258 (Tema 533 da repercussão geral) discute o dever de empresas provedoras de internet de fiscalizar e remover conteúdos ofensivos publicados por usuários, mesmo sem ordem judicial.
Esse caso é ainda mais sensível, pois o recurso foi interposto antes da vigência do Marco Civil da Internet. Nessa situação, Augusto Aras defende que, em período anterior à Lei nº 12.965/2014, as ofensas deveriam ser excluídas a pedido do ofendido e em tempo razoável, independentemente de ordem judicial.
A posição do Ministério Público reforça a ideia de que o provedor não é um mero intermediário técnico, mas um agente que também tem responsabilidade social e jurídica sobre o ambiente digital que administra.
Como o STF deve interpretar o artigo 19
O STF enfrenta um dilema constitucional. Se declarar a inconstitucionalidade do artigo 19, abre-se espaço para que as redes sociais tenham responsabilidade direta por publicações ilícitas, mesmo sem ordem judicial.
Isso aumentaria a proteção às vítimas de ofensas e desinformação, mas também poderia gerar riscos de censura privada, já que as plataformas poderiam remover preventivamente conteúdos por medo de responsabilização.
Se, por outro lado, o STF mantiver o artigo 19 como está, a exclusão de conteúdo ilícito continuará dependendo de ordem judicial específica, o que pode tornar o processo lento e ineficiente diante da velocidade da internet.
Uma interpretação intermediária parece ser o caminho mais equilibrado. O provedor deve ter dever de diligência e resposta rápida, sem que isso se transforme em censura automática.
Outras normas aplicáveis à responsabilidade das redes sociais
Além do Marco Civil da Internet, outras leis tratam da responsabilidade civil por conteúdo ilícito online.
O Código Civil, no artigo 927, determina que:
“Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Já o artigo 186 do mesmo Código estabelece:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Esses dispositivos fundamentam o dever de reparar danos quando há negligência ou omissão. Assim, se a rede social for notificada sobre um conteúdo sabidamente ilícito e nada fizer, poderá responder civilmente pelos danos.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) também se aplica de forma subsidiária. O artigo 14 prevê a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços por falhas que causem dano ao consumidor. Em alguns casos, os tribunais têm reconhecido essa aplicação às plataformas digitais.
O equilíbrio entre liberdade e responsabilidade
O ambiente digital é um espaço de ampla liberdade, mas também de grandes riscos. A circulação massiva de informações e o anonimato relativo das redes sociais aumentam o potencial de danos morais e reputacionais.
A responsabilidade das redes sociais por conteúdo ilícito deve ser entendida como um instrumento de equilíbrio entre a liberdade de expressão e a proteção à dignidade humana.
As plataformas não podem exercer censura prévia, mas precisam ter mecanismos eficazes de denúncia e remoção rápida. Devem garantir um ambiente digital seguro e respeitoso, sem restringir a livre manifestação de ideias legítimas.
Conclusão: Provedores responsáveis por CONTEÚDO ILÍCITO
O julgamento do STF sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet definirá o futuro jurídico da liberdade de expressão online no Brasil.
A questão das redes sociais serem responsáveis por conteúdo ilícito é essencial para combater abusos, fake news e crimes digitais, mas deve ser aplicada com prudência e proporcionalidade.
O caminho mais adequado é aquele que preserva a liberdade de expressão, mas impõe deveres de diligência e resposta rápida às plataformas diante de conteúdos manifestamente ilegais.
O equilíbrio entre liberdade e responsabilidade será a base de um ambiente digital mais ético, seguro e compatível com os valores constitucionais brasileiros.
Leia a íntegra das manifestações: RE 1.037.396 e RE 1.057.258
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