PRESO será indenizado por DEMORA em ser colocado em liberdade
- Thales de Menezes
- 12 de out. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 10 de nov.

A responsabilidade civil do Estado é um dos temas mais relevantes do Direito Administrativo. Ela garante que o cidadão prejudicado por uma ação ou omissão do poder público tenha o direito de ser indenizado. A Constituição Federal, em seu artigo 37, §6º, é clara ao estabelecer que o Estado deve reparar os danos que seus agentes causarem a terceiros, independentemente de culpa.
O dispositivo legal afirma:
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Essa regra consagra o princípio da responsabilidade objetiva, segundo o qual basta a comprovação do dano e do nexo causal entre a conduta estatal e o prejuízo sofrido, sem necessidade de provar culpa do agente público.
Foi com base nesse princípio que o Tribunal de Minas Gerais condenou o Estado a indenizar um cidadão que permaneceu preso ilegalmente, mesmo após a concessão de um Habeas Corpus.
O caso da prisão indevida em Minas Gerais
O caso julgado pela 1ª Turma Recursal do Grupo Jurisdicional de Uberaba (MG) ocorreu em 2020. O autor da ação foi preso preventivamente sob acusação de furto qualificado. Após análise, o Tribunal concedeu um Habeas Corpus, revogando a prisão. Entretanto, o homem permaneceu detido por mais nove dias, mesmo depois da decisão que determinava sua soltura.
Diante da situação, o cidadão ingressou com uma ação de indenização por danos morais contra o Estado de Minas Gerais. O juiz relator, Marcelo Geraldo Lemos, reconheceu que houve falha grave do Estado, configurando violação ao direito fundamental à liberdade, previsto no artigo 5º da Constituição Federal.
O artigo 5º, inciso LXV, dispõe:
“A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária.”
E o inciso LXVIII complementa:
“Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”
Esses dispositivos demonstram que a liberdade é um direito fundamental de todos os cidadãos e que o Estado tem o dever de zelar por seu cumprimento. Quando há falha nesse dever, surge o direito à reparação civil. Portanto o preso será indenizado pelo Estado.
A fundamentação jurídica da decisão
O magistrado aplicou diretamente o artigo 37, §6º, da Constituição Federal, que estabelece a responsabilidade civil do Estado. O juiz também citou precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário nº 841.526/RS, que consolidou o entendimento de que a responsabilidade do Estado também se aplica em casos de omissão.
Em sua decisão, o STF afirmou que:
“A responsabilidade civil do Estado por omissão também se funda no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, desde que demonstrada a falta do serviço ou sua prestação inadequada.”
Com base nessa orientação, o Tribunal mineiro concluiu que o atraso na expedição do alvará de soltura caracterizou omissão administrativa grave. Ainda que o período coincidisse com a pandemia de Covid-19, o funcionamento remoto do Judiciário não justificava o descumprimento de uma decisão judicial que determinava a libertação imediata do cidadão.
Assim, o Estado de Minas Gerais foi condenado a pagar R$ 15 mil a título de danos morais.
Responsabilidade civil do Estado por omissão
A responsabilidade civil do Estado pode decorrer tanto de ação quanto de omissão. A ação ocorre quando um agente público causa diretamente o dano, como em casos de abuso de autoridade. Já a omissão surge quando o Estado deixa de agir, mesmo tendo o dever jurídico de fazê-lo.
No caso da prisão indevida, a omissão foi evidente. O Judiciário concedeu a liberdade, mas o Estado não cumpriu a decisão dentro do prazo devido. Essa inércia feriu o direito de locomoção do cidadão, o que torna a conduta estatal ilícita.
A doutrina chama esse tipo de falha de “falta do serviço” ou faute du service. Isso ocorre quando o serviço público não funciona, funciona mal ou funciona tardiamente. Nesses casos, o Estado responde pelos danos causados ao particular, nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição.
Dano moral e a proteção da dignidade humana
A manutenção indevida da prisão, mesmo por alguns dias, configura dano moral grave. A privação injusta da liberdade atinge a dignidade, a honra e o equilíbrio psicológico da pessoa. Por isso, o entendimento dos tribunais é de que o dano moral é presumido (in re ipsa) nesses casos, não havendo necessidade de prova do sofrimento.
O artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, estabelece como fundamento da República a dignidade da pessoa humana. Qualquer violação a esse princípio impõe ao Estado o dever de reparação.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou entendimento semelhante. No AgInt no REsp 1.682.405/GO, a Corte reconheceu que:
“A prisão indevida configura, por si só, dano moral indenizável, prescindindo de prova do abalo sofrido pela vítima.”
Portanto, o cidadão que sofre prisão ilegal tem direito à indenização, ainda que o período de detenção seja curto.
O papel do Poder Judiciário durante a pandemia
No caso analisado, o Estado argumentou que o atraso na liberação do preso ocorreu em razão da pandemia de Covid-19, que dificultou o funcionamento dos serviços judiciais. Entretanto, o juiz relator destacou que, mesmo durante o período de crise sanitária, o Poder Judiciário manteve plantões e trabalho remoto para atender casos urgentes, como os relacionados à liberdade.
A Resolução nº 313/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a continuidade dos serviços essenciais, inclusive a expedição de alvarás de soltura. Assim, não havia justificativa legal para a demora.
A omissão estatal, portanto, configurou violação direta ao dever de eficiência previsto no artigo 37, caput, da Constituição Federal, que impõe à administração pública obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
A diferença entre erro judiciário e prisão indevida
É importante distinguir a prisão indevida do chamado erro judiciário. O erro judiciário ocorre quando há condenação de pessoa inocente por decisão judicial transitada em julgado, sendo regido pelo artigo 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal:
“O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.”
Já a prisão indevida, como no caso em Minas Gerais, decorre de falha administrativa, e não de erro na decisão judicial. A sentença que determinou a soltura era correta, mas não foi executada no prazo devido.
Ambas as situações geram responsabilidade civil do Estado, mas com fundamentos distintos. No erro judiciário, a causa está na decisão equivocada; na prisão indevida, a culpa está na má execução do serviço público.
Valor da indenização e critérios de fixação
Os tribunais fixam o valor da indenização considerando a gravidade do dano, o tempo de privação e as condições econômicas do ofensor e da vítima. No caso de Minas Gerais, o valor de R$ 15 mil foi considerado proporcional à extensão do dano.
O artigo 944 do Código Civil estabelece:
“A indenização mede-se pela extensão do dano.”
Além disso, a jurisprudência orienta que a indenização deve cumprir três funções: compensar a vítima, punir o Estado pela falha e prevenir novas ocorrências. A quantia não deve ser simbólica, mas também não pode gerar enriquecimento indevido.
Responsabilidade objetiva e direito de regresso
Embora o Estado responda objetivamente pelos danos causados, ele tem direito de regresso contra o agente público responsável, caso comprovado dolo ou culpa. Essa previsão também está no artigo 37, §6º, da Constituição.
Na prática, isso significa que o Estado indeniza o cidadão e, depois, pode ajuizar ação contra o servidor que deu causa ao prejuízo. Essa medida busca equilibrar o sistema, garantindo a reparação ao lesado sem eximir o agente da responsabilidade pessoal.
Conclusão: PRESO será indenizado
A responsabilidade civil do Estado é um instrumento essencial para garantir justiça e proteger os direitos fundamentais do cidadão. Quando o poder público age de forma negligente ou omissa, como na manutenção indevida de uma prisão, ele deve indenizar o prejudicado.
A Constituição Federal impõe ao Estado o dever de reparar danos causados por seus agentes, assegurando o direito à liberdade e à dignidade humana. O caso de Minas Gerais reafirma a importância desse princípio, lembrando que o dever de eficiência e respeito aos direitos fundamentais deve prevalecer mesmo em tempos de crise.
A responsabilização estatal não é apenas uma punição, mas um lembrete de que o poder público existe para servir o cidadão, e nunca para violar seus direitos. Processo 5000452-56.2020.8.13.0172
Para ler mais artigos como esse, acesse nosso site oficial: Thales de Menezes







Comentários