STF: Pedreiro ACUSADO de homicídio apenas por boatos NÃO IRÁ a Júri
- Thales de Menezes
- 4 de jun. de 2023
- 8 min de leitura
Atualizado: 9 de nov.

Como advogado com mais de dez anos de carreira, observo recentemente um debate crucial sobre a testemunha de ouvir dizer júri. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, tomou uma decisão importante sobre o tema. Ele analisou um caso de um pedreiro acusado de homicídio. A acusação se baseava unicamente em testemunhas indiretas. Essas pessoas não viram o crime. Apenas ouviram relatos de terceiros. A decisão do ministro Gilmar Mendes gerou um precedente relevante. Ela redefine os limites da prova no Tribunal do Júri. Portanto, este artigo explicará detalhadamente essa questão. Abordaremos as leis pertinentes e os princípios constitucionais envolvidos. O objetivo é informar o cidadão sobre seus direitos. A compreensão deste tema é fundamental para todos.
O Caso Concreto e a Prova Frágil
O caso em análise envolve um pedreiro de 40 anos. Ele foi acusado de homicídio doloso. O crime teria ocorrido em um bar, em 2013. A acusação contra ele, contudo, carecia de prova direta. O Ministério Público se baseou em testemunhos de "ouvi dizer". Essa prática é conhecida como "hearsay testimony" no direito inglês. Significa que a testemunha repete algo que não presenciou. Ela apenas transmitiu um boato ou um relato de outrem. Inicialmente, o juízo do Júri o impronunciou. A sentença reconheceu a fragilidade das provas. Contudo, o Ministério Público recorreu. O Tribunal de Justiça do Paraná deu provimento ao recurso. Os desembargadores determinaram que o acusado fosse a júri popular. O Superior Tribunal de Justiça manteve essa decisão. O STJ entendeu que, na fase da pronúncia, deveria prevalecer o princípio "in dubio pro societate". A situação se arrastou por anos. O homem chegou a ficar preso por quase oito meses em 2020. Afinal, a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal. A Defensoria Pública do Paraná impetrou um Habeas Corpus. O ministro Gilmar Mendes analisou o caso e mudou o rumo da história.
O Procedimento do Júri e Suas Fases
Para entender a decisão, é preciso conhecer o procedimento do Júri. A Constituição Federal assegura o Tribunal do Júri. Ele é competente para julgar crimes dolosos contra a vida. São exemplos o homicídio, o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio e o infanticídio. O procedimento do Júri é bifásico. Isso significa que ele se divide em duas etapas distintas. A primeira fase é o "judicium accusationis". Nela, o juiz analisa a existência de provas. Ele verifica se há materialidade e indícios de autoria. O objetivo não é decidir sobre a culpa. É apenas verificar se a acusação é minimamente viável. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de autoria, ele pronuncia o réu. Caso contrário, ele o impronuncia ou o absolve sumariamente. A segunda fase é o "judicium causae". Ocorre perante o Conselho de Sentença. É o julgamento propriamente dito, pelos jurados. A decisão do ministro Gilmar Mendes foca na primeira fase. Ele questionou o uso de provas frágeis para levar alguém a júri.
A Decisão de Pronúncia
A pronúncia é um ato judicial fundamental. Ela marca o fim da primeira fase do procedimento do Júri. O Código de Processo Penal define seus requisitos. Vejamos o que diz a lei:
"Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da existência do crime e de indícios suficientes de que seja o réu o seu autor."
A pronúncia exige dois requisitos básicos. Primeiro, a prova da materialidade do crime. Segundo, indícios suficientes de autoria. Não se exige prova plena da autoria nessa fase. Basta um conjunto de indícios. Contudo, esses indícios devem ser robustos. Eles não podem ser meras conjecturas ou boatos. A pronúncia é uma decisão interlocutória mista. Ela tem conteúdo decisório, mas não encerra o processo. Seu principal efeito é submeter o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri. Portanto, a análise das provas deve ser criteriosa. Uma decisão de pronúncia baseada em provas frágeis é temerária. Ela expõe um cidadão a um julgamento sem fundamentação sólida. Isso fere o princípio da dignidade humana.
A Sentença de Impronúncia
Por outro lado, a impronúncia ocorre quando os requisitos não estão presentes. O juiz não se convence da materialidade ou da autoria. Nesse caso, ele não envia o réu a júri. O Código de Processo Penal também prevê essa hipótese:
"Art. 414. Não se convencendo da existência do crime ou de indícios suficientes de que seja o réu o seu autor, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado."
A impronúncia encerra o processo em relação ao acusado. Contudo, ela não faz coisa julgada. Isso significa que, se surgirem novas provas, o réu pode ser denunciado novamente. A impronúncia é uma forma de proteção ao cidadão. Ela impede que acusações infundadas prosperem. No caso do pedreiro, a primeira decisão foi de impronúncia. O juiz entendeu que os "ouvi dizer" não eram indícios suficientes. Essa decisão foi, posteriormente, reformada. Contudo, o STF a restabeleceu. Isso mostra a importância da análise cuidadosa das provas nesta fase.
A Testemunha de "Ouvir Dizer" e seu Valor Probatório
A questão central do caso é o valor da testemunha de ouvir dizer júri. Esse tipo de testemunha é chamada de "indireta". Ela não relata fatos que presenciou. Apenas narra o que ouviu de outra pessoa. O Código de Processo Penal trata da prova testemunhal. Ele estabelece quem pode testemunhar e sobre o que pode depor. A lei é clara sobre a necessidade de a testemunha falar sobre fatos. Vamos analisar o que diz o Código:
"Art. 202. Toda pessoa poderá ser testemunha, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas."
O artigo seguinte define o objeto do testemunho:
"Art. 203. A testemunha será compromissada a dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, sua profissão, sua residência e seu estado civil, bem como se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou qual sua relação com qualquer delas."
Note que a lei fala em "verdade do que souber". Isso implica um conhecimento direto. A testemunha de "ouvir dizer" não sabe do fato. Ela apenas sabe da versão que ouviu. A jurisprudência dos tribunais superiores é pacífica sobre o tema. A testemunha indireta tem valor probatório muito reduzido. Ela não pode, por si só, sustentar uma condenação. Na fase de pronúncia, a situação é mais sensível. Ainda assim, ela não pode ser o único indício de autoria. A prova precisa ser mais concreta.
A Fragilidade da Prova Indireta
A fragilidade da testemunha de "ouvir dizer" é evidente. Primeiramente, ela viola o princípio do contraditório. A pessoa que originalmente deu a informação não é ouvida. Portanto, não pode ser cross-examinada. Isso impede que a defesa questione a fonte do boato. Ademais, a informação se deforma ao ser transmitida. É como uma "telefone sem fio". A cada relato, a história pode ser alterada. Detalhes são perdidos ou acrescentados. A versão final pode ser muito diferente da realidade. Além disso, a testemunha indireta não tem compromisso com a verdade original. Ela apenas repete o que ouviu. Sua intenção pode ser boa, mas seu depoimento é impreciso. Por isso, os tribunais são cautelosos. A prova de "ouvi dizer" é, no máximo, um elemento de convicção. Jamais pode ser a base da acusação. A decisão do ministro Gilmar Mendes reforça esse entendimento. Ele afirmou que os autos não continham outros elementos de prova. Havia apenas os relatos de terceiros. Isso era insuficiente para uma pronúncia.
O Conflito de Princípios: In Dubio Pro Reo vs. In Dubio Pro Societate
O caso também colocou em xeque o princípio "in dubio pro societate". O STJ o aplicou para manter a pronúncia. Contudo, o ministro Gilmar Mendes o criticou duramente. Ele afirmou que tal princípio não tem amparo legal ou constitucional. Vamos analisar os dois princípios em conflito.
O Princípio Constitucional do In Dubio Pro Reo
O "in dubio pro reo" é um pilar do Direito Penal brasileiro. Ele significa que, na dúvida, se deve decidir a favor do réu. Este princípio está diretamente ligado à presunção de inocência. A Constituição Federal o prevê de forma expressa:
"Art. 5º, LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória."
A presunção de inocência exige que a acusação prove a culpa do réu. Se as provas são insuficientes, a absolvição é a medida cabível. O ônus da prova é inteiramente da acusação. No processo penal, a dúvida sempre beneficia o acusado. Isso vale para todas as fases do processo. Inclusive na decisão de pronúncia. Se o juiz tem dúvida sobre a autoria, ele deve impronunciar. O "in dubio pro reo" garante a segurança jurídica. Impede que alguém seja punido sem prova robusta. Ele é uma garantia fundamental contra o arbítrio do Estado.
A Crítica ao In Dubio Pro Societate
Por outro lado, o "in dubio pro societate" significa "na dúvida, a favor da sociedade". Ele sugere que, em caso de dúvida, deve-se levar o réu a júri. A justificativa seria que a sociedade tem interesse na punição dos crimes. Contudo, esse princípio é perigoso. Ele inverte o ônus da prova. Coloca o réu na posição de ter que provar sua inocência. O ministro Gilmar Mendes foi enfático em sua crítica. Ele afirmou que o princípio "acarreta o completo desvirtuamento das premissas racionais de valoração da prova". Além disso, ele destacou que o princípio contraria a presunção de inocência. O "in dubio pro societate" não está na Constituição nem no Código de Processo Penal. É uma construção doutrinária e jurisprudencial. Foi criado para ampliar o alcance da acusação na fase de pronúncia. Contudo, seu uso excessivo leva a julgamentos sem base probatória. Isso enche os tribunais do júri de casos frágeis. Prejudica a busca pela verdade e a eficiência da justiça. A decisão do STF, portanto, corrige essa distorção. Ela reafirma a supremacia do "in dubio pro reo".
A Decisão do STF e Seus Impactos
A decisão do ministro Gilmar Mendes no Habeas Corpus foi um marco. Ele restabeleceu a sentença de impronúncia. Com isso, ele impediu que o pedreiro fosse julgado pelo Júri. A fundamentação foi clara e contundente. O ministro afirmou que a denúncia não procedia. Ela se baseava apenas em "ouvir falar" ou "ouvir dizer". Ele rejeitou a aplicação do "in dubio pro societate". Gilmar Mendes explicou que a dúvida, no processo penal, sempre se resolve em favor do réu. Ele destacou que a decisão de pronúncia não pode ser um mero ato formal. Ela deve ser fundamentada em provas concretas. O uso de testemunhas de "ouvir dizer" esvazia a função da pronúncia. Transforma a fase em uma simples formalidade. A decisão do STF, contudo, não encerra o caso definitivamente. O ministro deixou claro que novas provas podem surgir. Se isso acontecer, o Ministério Público poderá oferecer uma nova denúncia. A justiça precisa sempre buscar a verdade dos fatos. Contudo, essa busca deve respeitar os direitos fundamentais do acusado.
A Relevância para a Advocacia e para a Sociedade
Essa decisão tem um impacto enorme. Primeiramente, para os advogados criminalistas. Ela reforça a tese de que a acusação precisa de provas sólidas. Argumentos baseados em boatos ou "ouvi dizer" podem ser rejeitados. Isso fortalece a atuação da defesa. Em segundo lugar, a decisão impacta a sociedade. Ela mostra que o Supremo Tribunal Federal está atento aos excessos. A busca pela punição não pode violar garantias constitucionais. O Tribunal do Júri é uma instituição sagrada. Contudo, ele não pode ser usado de forma leviana. Ele deve julgar fatos, e não conjecturas. A decisão de Gilmar Mendes protege a cidadania. Ela reforça que ninguém será privado de sua liberdade sem devido processo legal. E devido processo legal inclui provas válidas e contraditadas. A testemunha de ouvir dizer júri, quando isolada, não atende a esse requisito.
Conclusão: ACUSADO de homicídio apenas por boatos
O caso analisado pelo STF é um exemplo didático. Ele ilustra a tensão entre a pretensão punitiva do Estado e os direitos do cidadão. A decisão do ministro Gilmar Mendes equilibrou essa balança. Ele optou por garantir a presunção de inocência. Ele reconheceu que a prova de "ouvir dizer" é insuficiente para uma acusação séria. A Constituição Federal e o Código de Processo Penal oferecem as ferramentas para uma justiça justa. Cabe aos operadores do direito usá-las corretamente. Juízes, promotores e advogados devem pautar suas atuações na lei e na prova. A decisão sobre a testemunha de ouvir dizer júri é um lembrete importante. A verdade é o objetivo do processo. Mas ela deve ser alcançada por meios lícitos e racionais. O respeito ao devido processo legal não é um obstáculo à justiça. É, na verdade, seu alicerce. Uma condenação baseada em provas frágeis não é justiça. É um erro que pode destruir uma vida. A decisão do STF, portanto, fortalece a confiança no sistema de justiça. Ela assegura que a liberdade de um cidadão não será tirada por boatos. Isso é essencial para um Estado Democrático de Direito. A sociedade deve cobrar de seus representantes essa serenidade e rigor na análise das provas. Afinal, a justiça é um valor de todos.
Processo: HC 227.328
Leia a decisão.
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