TJ/SP derruba lei que proíbe BANHEIRO UNISSEX em São Bernardo do Campo
- Thales de Menezes
- 4 de jun. de 2023
- 7 min de leitura
Atualizado: 10 de nov.

A recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) reafirmou a centralidade da dignidade humana e da igualdade constitucional ao declarar inconstitucional a lei municipal de São Bernardo do Campo que proibia a instalação de banheiros unissex em estabelecimentos públicos e privados.
O Órgão Especial do tribunal entendeu que a norma municipal violava direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, especialmente os princípios da igualdade, da liberdade, da autonomia pessoal e da livre iniciativa.
A decisão destaca que a proibição de banheiros unissex representa uma forma de discriminação contra pessoas transgênero, queer e intersexuais, contrariando o texto e o espírito da Carta de 1988.
O debate sobre banheiros unissex e dignidade humana não se limita à arquitetura de espaços, mas envolve a efetiva proteção dos direitos de personalidade e a promoção de uma sociedade livre de preconceitos, como exige a Constituição.
O caso: a lei municipal de São Bernardo do Campo
O município de São Bernardo do Campo editou uma lei proibindo a criação de banheiros unissex ou compartilháveis em locais públicos e privados.
A justificativa da norma, segundo seus defensores, era preservar a segurança e a privacidade dos frequentadores. No entanto, o efeito prático foi o de excluir e constranger pessoas que não se identificam com o gênero masculino ou feminino, impedindo-as de exercer sua liberdade de escolha e identidade.
A Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra a norma municipal, sustentando que ela violava diversos dispositivos constitucionais.
A ação foi julgada pelo Órgão Especial do TJ/SP, que declarou a lei incompatível com a Constituição Federal, afirmando que ela impõe discriminação e afronta direitos fundamentais.
Fundamentos constitucionais da decisão
O relator do caso, desembargador Vianna Cotrim, fundamentou seu voto em diversos dispositivos da Constituição Federal de 1988, com destaque para os artigos 1º e 5º, que estabelecem as bases do Estado Democrático de Direito e os direitos fundamentais da pessoa humana.
O artigo 1º, inciso III, da Constituição dispõe:
“A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana.”
Já o artigo 5º, caput, e incisos I e X, estabelece:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Esses dispositivos foram a base para o entendimento de que a proibição de banheiros unissex fere os direitos da personalidade, a dignidade e a igualdade.
Dignidade humana e direitos da personalidade
O relator destacou que a dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial da Constituição de 1988 e que dela derivam todos os direitos fundamentais.
A norma municipal, ao proibir banheiros compartilháveis, impôs restrição desproporcional à liberdade individual e nega o reconhecimento da diversidade de gênero, o que contraria o propósito constitucional de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
O desembargador Vianna Cotrim observou que a norma obriga pessoas transgênero, queer e intersexuais a se enquadrarem em padrões binários de gênero (masculino ou feminino) com os quais não se identificam. Essa imposição, segundo ele, gera constrangimento e humilhação, configurando violação direta à dignidade humana.
A dignidade humana, além de princípio constitucional, é também princípio estruturante da ordem jurídica, devendo orientar toda interpretação normativa. Assim, qualquer ato do poder público que cause discriminação ou constrangimento pessoal é incompatível com o Estado Democrático de Direito.
Igualdade e liberdade de orientação de gênero
O voto condutor também reforçou que a Constituição consagra o princípio da igualdade substancial, que não se limita a tratar todos de forma idêntica, mas exige do Estado medidas que evitem discriminações e promovam a inclusão de grupos vulneráveis.
O artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, expressamente dispõe:
“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Nesse contexto, a lei municipal de São Bernardo do Campo afrontou diretamente esse mandamento constitucional, pois instituiu discriminação com base em identidade de gênero e restringiu o exercício de direitos fundamentais.
A liberdade de orientação de gênero integra o direito à autodeterminação e ao livre desenvolvimento da personalidade. A Constituição, ao proteger a liberdade e a igualdade, assegura que ninguém será obrigado a viver conforme padrões impostos pela sociedade quando estes violam sua identidade pessoal.
Livre iniciativa e livre exercício da atividade econômica
Outro ponto importante abordado na decisão do TJ/SP diz respeito à violação dos princípios da livre iniciativa e do livre exercício da atividade econômica, também previstos na Constituição Federal.
O artigo 170, caput, estabelece:
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.”
Ao proibir a instalação de banheiros unissex em estabelecimentos privados, a norma municipal interferiu na liberdade empresarial e invadiu a competência dos próprios empreendedores para definir a estrutura e o padrão de atendimento de seus espaços.
O TJ/SP reconheceu que a ingerência do poder público municipal sobre o modelo de instalações de banheiros configura violação à livre iniciativa, especialmente porque não há qualquer justificativa legítima para tal proibição.
Além disso, a Constituição confere às empresas o direito de exercer suas atividades sem restrições arbitrárias, desde que respeitem os direitos fundamentais e a ordem pública.
A atuação do Ministério Público e o papel do STF
A Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo sustentou que a lei municipal era incompatível com os princípios constitucionais da dignidade humana e da liberdade de orientação de gênero.
O órgão também lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem jurisprudência consolidada no sentido de proteger minorias discriminadas, inclusive no reconhecimento de direitos das pessoas transexuais e homoafetivas.
Em diversos precedentes, o STF reafirmou que o Estado não pode adotar políticas públicas que reforcem preconceitos ou marginalizem grupos sociais.
Entre as decisões paradigmáticas está a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275, que reconheceu o direito das pessoas trans de alterar nome e gênero no registro civil sem necessidade de cirurgia.
Nessa mesma linha, o STF também já declarou que a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ configura ato inconstitucional e crime de homotransfobia, equiparando-o aos crimes previstos na Lei nº 7.716/1989.
Assim, o entendimento do TJ/SP alinha-se à jurisprudência do Supremo, reafirmando a proteção constitucional da diversidade e da dignidade humana.
A proteção da intimidade e da vida privada
A Constituição também protege a intimidade e a vida privada, direitos diretamente afetados por normas que impõem padrões de comportamento baseados em gênero.
O artigo 5º, inciso X, assegura:
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Ao obrigar cidadãos a se adequar a categorias binárias e negar-lhes o direito de usar banheiros compartilháveis, a lei municipal invadiu a esfera privada da identidade de gênero, ferindo o direito à intimidade e à livre manifestação da personalidade.
Portanto, a decisão do TJ/SP reafirma que a liberdade de ser e existir é uma dimensão essencial da privacidade e da dignidade humana.
A vedação ao preconceito e a função social das leis
A função social das leis é promover a justiça, a igualdade e o bem-estar coletivo. Nenhuma norma pode servir para segregar, humilhar ou excluir pessoas.
O artigo 4º, inciso II, da Constituição, estabelece que o Brasil rege-se, nas suas relações internas e externas, pelo princípio da prevalência dos direitos humanos.
A vedação a qualquer forma de preconceito é um pilar do Estado Democrático de Direito. Assim, legislações municipais que reforçam discriminações violam diretamente os fundamentos constitucionais e não podem subsistir.
A decisão do TJ/SP, portanto, reafirma o papel do Poder Judiciário como guardião da Constituição e garante a prevalência da igualdade e da dignidade sobre visões morais ou culturais excludentes.
Impactos práticos da decisão
A decisão que declarou inconstitucional a proibição de banheiros unissex tem efeitos que ultrapassam o município de São Bernardo do Campo.
Ela estabelece um precedente importante para todo o país, reforçando que leis municipais não podem contrariar a Constituição Federal nem violar direitos fundamentais.
Além disso, o julgamento reconhece o direito de estabelecimentos privados definirem livremente seus espaços físicos, desde que observem as normas de acessibilidade e segurança.
Mais do que isso, a decisão contribui para a promoção de uma cultura de respeito às diferenças e combate à discriminação de pessoas em razão de sua identidade ou expressão de gênero.
Conclusão: proibição de banheiro Unissex
A decisão do TJ/SP que derrubou a lei municipal de São Bernardo do Campo reafirma um princípio essencial: a dignidade humana é inviolável e deve orientar toda a atuação do Estado.
A proibição de banheiros unissex era incompatível com os valores constitucionais da liberdade, da igualdade e do respeito à diversidade.
O Tribunal reconheceu que o poder público não pode restringir direitos com base em preconceitos ou padrões sociais ultrapassados. Ao contrário, deve garantir que todos os cidadãos possam viver com respeito, segurança e liberdade.
A discussão sobre banheiro unissex e dignidade humana simboliza algo maior: a defesa de uma sociedade que acolhe as diferenças e protege os direitos de todos, sem exceção.
A Constituição de 1988 consagrou, de forma clara, que o Brasil deve ser uma sociedade livre, justa e solidária, e decisões como essa reafirmam o compromisso do Poder Judiciário com esses valores fundamentais.
Processo: 2110632-93.2022.8.26.0000
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