Empresa é CONDENADA por pagar salário "por fora" a funcionário
- Thales de Menezes
- 22 de out. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 10 de nov.

Um motorista contratado por uma construtora em Goiás viveu uma situação infelizmente comum no mercado de trabalho brasileiro. Apesar de ter a carteira assinada e receber o salário oficialmente registrado, ele decidiu pagar parte do salário "por fora", sem constar nos contracheques nem no holerite.
Durante anos, o empregado recebeu essa remuneração extrafolha como se fosse um “complemento” mensal. No entanto, quando foi demitido sem justa causa em abril de 2020, percebeu que a empresa considerou apenas o valor formalmente anotado em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).
Indignado, o trabalhador procurou a Justiça do Trabalho para pleitear os direitos que considerava devidos — entre eles, diferenças salariais e reflexos nas verbas rescisórias, como férias, 13º salário, FGTS e horas extras.
Na ação, o motorista alegou que, desde o início do vínculo, recebia valores não registrados, o que violava seu direito a uma remuneração transparente e compatível com a realidade do trabalho prestado.
A construtora negou as acusações e afirmou que o trabalhador não havia comprovado o recebimento dos valores “por fora”. Segundo a empresa, o pagamento feito fora da folha não passava de uma alegação sem provas.
Mesmo assim, a 3ª Vara do Trabalho de Aparecida de Goiânia reconheceu o direito do trabalhador e condenou a empresa a recalcular e pagar todas as verbas trabalhistas considerando o valor total efetivamente recebido, e não apenas o valor da carteira.
A empresa recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-18), alegando que a decisão era injusta e que a testemunha apresentada pelo motorista não era isenta, pois também processava a construtora.
No entanto, a 3ª Turma do TRT-18 manteve integralmente a decisão. A relatora, desembargadora Rosa Nair Reis, destacou que o simples fato de a testemunha também ter ação trabalhista contra o mesmo empregador não tira sua credibilidade.
Além disso, as demais provas indicaram claramente que o motorista recebia um valor superior ao anotado na CTPS. Assim, ficou comprovado o pagamento “por fora” e o consequente prejuízo nas verbas rescisórias e direitos trabalhistas.
Com isso, a empresa foi definitivamente condenada a reconhecer o valor total do salário, pagar as diferenças correspondentes e recolher o FGTS devido.
O que é salário pago por fora e por que é ilegal
O salário pago por fora ocorre quando o empregador paga parte da remuneração do trabalhador sem registrá-la oficialmente, seja na CTPS, na folha de pagamento ou nos contracheques.
Essa prática é ilegal porque fere o artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que determina o que compõe o salário e como ele deve ser pago. O dispositivo legal estabelece:
“Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.”
Ou seja, toda quantia paga ao trabalhador em razão do serviço prestado deve integrar o salário, sendo obrigatoriamente registrada e declarada.
Quando o empregador paga uma parte “por fora”, ele reduz artificialmente os valores incidentes sobre férias, 13º salário, FGTS e horas extras, prejudicando o trabalhador.
Além disso, a prática também pode configurar sonegação de encargos trabalhistas e previdenciários, uma vez que a empresa deixa de recolher corretamente as contribuições ao INSS e ao FGTS.
A proteção do trabalhador na CLT e na Constituição Federal
A Constituição Federal assegura o direito ao salário digno e devidamente registrado. O artigo 7º, inciso X, da Constituição de 1988 garante:
“Proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa.”
Já o artigo 9º da CLT prevê que qualquer ato praticado com o objetivo de fraudar a aplicação da legislação trabalhista é nulo de pleno direito. O texto legal é categórico:
“Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”
Portanto, qualquer prática que tente mascarar o valor real do salário, como o pagamento de parte da remuneração fora da folha, é juridicamente inválida.
Quando o trabalhador comprova que recebia valores adicionais não registrados, a Justiça do Trabalho pode determinar que todas as verbas sejam recalculadas com base na remuneração total.
Como a Justiça do Trabalho analisa o pagamento por fora
A prova do salário extrafolha nem sempre é fácil, pois raramente o trabalhador possui recibos ou transferências que indiquem esses valores.
Por isso, a Justiça do Trabalho valoriza muito o depoimento das testemunhas e a coerência entre os relatos. No caso da construtora, as testemunhas confirmaram que havia diferença entre o valor pago e o valor anotado na CTPS.
Essa constatação foi suficiente para convencer a desembargadora relatora de que o trabalhador recebia uma quantia maior do que a oficialmente declarada.
A jurisprudência trabalhista é firme nesse sentido. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já decidiu, em diversas ocasiões, que o pagamento de salário “por fora” integra o salário para todos os efeitos legais.
Em um precedente relevante (RR-123900-78.2007.5.03.0052), o TST destacou que:
“O pagamento de parte do salário ‘por fora’ deve ser considerado na base de cálculo das verbas trabalhistas, por se tratar de salário disfarçado.”
Essa interpretação protege o trabalhador contra práticas que reduzem sua remuneração formal e seus direitos previdenciários.
Reflexos do salário por fora nas verbas trabalhistas
Quando se reconhece o pagamento extrafolha, a Justiça determina a inclusão desses valores na base de cálculo de todas as verbas trabalhistas.
Assim, o trabalhador tem direito a receber as diferenças sobre:
Aviso prévio
Férias acrescidas de 1/3 constitucional
13º salário
Horas extras e adicionais
Descanso semanal remunerado (DSR)
Depósitos do FGTS e multa de 40% em caso de rescisão
Cada uma dessas verbas é calculada com base no salário mensal total. Quando parte da remuneração não é registrada, todos esses direitos são pagos a menor.
Além disso, o reconhecimento judicial do salário “por fora” pode gerar reflexos previdenciários, pois o valor deve ser considerado para fins de contribuição ao INSS.
A responsabilidade do empregador e os riscos da fraude trabalhista
A empresa que adota esse tipo de prática assume sérios riscos jurídicos e financeiros. Além das condenações em processos individuais, pode ser autuada pela fiscalização do trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho.
O artigo 29 da CLT impõe ao empregador o dever de anotar corretamente todas as informações na carteira de trabalho, inclusive a remuneração. O descumprimento dessa norma caracteriza infração trabalhista e pode gerar multas.
Além disso, o pagamento por fora pode configurar crime contra a ordem tributária, conforme previsto na Lei nº 8.137/1990, que tipifica condutas de sonegação fiscal.
Portanto, ao tentar reduzir custos de forma irregular, o empregador não apenas lesa o trabalhador, mas também viola a legislação fiscal e previdenciária.
A importância da comprovação e da boa-fé do trabalhador
Para que o pedido judicial seja acolhido, o trabalhador deve apresentar indícios ou provas de que recebia valores não registrados.
Podem servir como provas transferências bancárias, mensagens, e-mails, ou mesmo o depoimento de colegas que confirmem a prática da empresa.
A Justiça do Trabalho valoriza o princípio da primazia da realidade, ou seja, o que efetivamente ocorre na prática prevalece sobre o que está escrito nos documentos.
Esse princípio, amplamente reconhecido na jurisprudência, garante que o direito do trabalhador não seja anulado por formalidades fraudulentas.
Conclusão: pagar salário "por fora"
O caso julgado pelo TRT da 18ª Região mostra que o salário pago por fora é uma prática ilegal e grave, que prejudica o trabalhador e afronta a legislação trabalhista.
A decisão confirma o compromisso da Justiça do Trabalho em proteger a transparência nas relações de emprego e assegurar que o empregado receba todos os valores que lhe são devidos.
Ao reconhecer o valor real da remuneração, o Judiciário reafirma o princípio da dignidade do trabalhador, consagrado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.
Portanto, sempre que houver indícios de pagamento extrafolha, o trabalhador deve buscar orientação jurídica e exercer seu direito de ação. A lei e a Justiça estão ao lado de quem busca a verdade e a correção das injustiças salariais.
Processo 0011152-66.2020.5.18.0083
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