Guarda Compartilhada: Benefícios e Desafios na Prática Jurídica
- Thales de Menezes
- 10 de mar.
- 10 min de leitura
Atualizado: 10 de set.

A guarda compartilhada representa uma das principais mudanças no direito de família brasileiro dos últimos anos. Esta modalidade de guarda transformou significativamente a forma como tribunais e famílias abordam questões relacionadas à convivência familiar após separações. Contudo, sua implementação prática gera diversos questionamentos e desafios que merecem análise detalhada.
Fundamento Legal da Guarda Compartilhada
A Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014, alterou substancialmente o Código Civil brasileiro. Esta norma modificou os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634, estabelecendo a guarda compartilhada como modalidade preferencial em casos de divórcio ou dissolução de união estável.
O artigo 1.583 do Código Civil define guarda compartilhada como
"a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns."
Ademais, o parágrafo 2º estabelece que
"na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos."
Paralelamente, o artigo 1.584 determina que
"a guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar."
Importante destacar que o parágrafo 2º estabelece que
"quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor."
O Estatuto da Criança e do Adolescente, através do artigo 19, reforça que
"é direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária."
Conceito e Características da Guarda Compartilhada
A guarda compartilhada não se confunde com a simples divisão de tempo entre os genitores. Diferentemente, caracteriza-se pela responsabilização conjunta nas decisões importantes relacionadas à vida dos filhos. Consequentemente, ambos os pais participam ativamente das escolhas sobre educação, saúde, lazer e desenvolvimento moral da criança ou adolescente.
Esta modalidade pressupõe que ambos os genitores mantenham residência fixa e estável. Além disso, exige capacidade de diálogo e cooperação mútua para tomar decisões no melhor interesse dos menores. Portanto, vai além da mera alternância de finais de semana ou períodos de férias.
O tempo de convivência deve ser equilibrado, mas não necessariamente igual. Assim, considera-se a rotina escolar, atividades extracurriculares e necessidades específicas de cada criança. Por exemplo, durante o período letivo, o filho pode residir preferencialmente com um genitor próximo à escola, enquanto finais de semana e férias são distribuídos equitativamente.
Pressupostos para Aplicação da Guarda Compartilhada
Aptidão de Ambos os Genitores
O primeiro pressuposto essencial consiste na aptidão de ambos os pais para exercer o poder familiar. Consequentemente, devem demonstrar condições emocionais, psicológicas e materiais adequadas para cuidar dos filhos.
A legislação não define critérios objetivos para avaliar essa aptidão. Portanto, cabe ao magistrado analisar cada caso concreto, considerando fatores como estabilidade emocional, condições de moradia, renda familiar e disponibilidade de tempo.
Vícios como alcoolismo, dependência química ou distúrbios psiquiátricos graves podem comprometer a aptidão parental. Similarmente, histórico de violência doméstica ou abuso contra os filhos constituem impedimentos absolutos à guarda compartilhada.
Interesse dos Menores
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente deve orientar todas as decisões sobre guarda. Dessa forma, a aplicação da guarda compartilhada deve efetivamente beneficiar os menores, promovendo seu desenvolvimento integral.
Fatores como idade das crianças, adaptação à rotina de alternância e relacionamento com ambos os genitores influenciam essa avaliação. Por exemplo, bebês podem necessitar de maior estabilidade residencial, enquanto adolescentes geralmente adaptam-se melhor à divisão de tempo.
Capacidade de Diálogo Entre os Genitores
Embora a lei não exija harmonia absoluta entre os pais, é necessário um mínimo de capacidade de comunicação. Consequentemente, conflitos excessivos que prejudiquem o bem-estar dos filhos podem inviabilizar a guarda compartilhada.
O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que meras divergências não impedem a aplicação desta modalidade. Entretanto, quando a hostilidade entre os genitores causa danos emocionais aos filhos, a guarda unilateral pode ser mais apropriada.
Vantagens da Guarda Compartilhada
Fortalecimento dos Vínculos Familiares
A principal vantagem da guarda compartilhada reside no fortalecimento dos laços afetivos entre pais e filhos. Diferentemente da guarda unilateral, esta modalidade permite que ambos os genitores participem ativamente do cotidiano dos menores.
Pesquisas internacionais demonstram que crianças criadas sob guarda compartilhada apresentam melhor desenvolvimento emocional e social. Ademais, mantêm relacionamento mais equilibrado com ambos os pais, reduzindo traumas associados à separação conjugal.
Por exemplo, uma criança cujos pais se divorciaram pode manter rotina de estudar com o pai durante a semana e participar de atividades recreativas com a mãe nos finais de semana. Esta divisão permite que ambos contribuam para diferentes aspectos de sua formação.
Redução da Alienação Parental
A guarda compartilhada constitui importante mecanismo de prevenção à alienação parental. Quando ambos os pais participam ativamente da criação dos filhos, reduz-se significativamente o risco de manipulação psicológica ou afastamento injustificado.
A Lei nº 12.318/2010, que trata da alienação parental, define como "interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este."
Na guarda compartilhada, ambos os pais possuem tempo e oportunidade equivalentes para influenciar positivamente os filhos. Consequentemente, diminuem as chances de um genitor monopolizar a relação parental ou desqualificar o outro perante os menores.
Divisão Equilibrada de Responsabilidades
Esta modalidade promove distribuição mais justa das responsabilidades parentais. Assim, encargos como acompanhamento escolar, cuidados médicos e atividades extracurriculares são compartilhados entre ambos os genitores.
Tradicionalmente, na guarda unilateral, o genitor guardião assume a maior parte dessas responsabilidades. Por conseguinte, pode surgir sobrecarga emocional e física, especialmente para as mães, que historicamente detêm a guarda em maior proporção.
Com a guarda compartilhada, um pai pode responsabilizar-se por levar os filhos às consultas médicas, enquanto a mãe acompanha as atividades escolares. Esta divisão permite que ambos mantenham-se envolvidos em aspectos fundamentais da vida dos menores.
Aspectos Financeiros Mais Equilibrados
A questão alimentar também se beneficia da guarda compartilhada. Quando ambos os pais dividem tempo e responsabilidades de forma equilibrada, os gastos com os filhos distribuem-se mais naturalmente.
Embora a pensão alimentícia não seja automaticamente extinta na guarda compartilhada, seu valor pode ser reduzido. Isto ocorre porque ambos os genitores arcar diretamente com despesas durante seus períodos de convivência.
Por exemplo, se o filho passa metade do tempo com cada genitor, ambos custearão alimentação, transporte e outras necessidades básicas em suas respectivas residências. Dessa forma, apenas gastos extraordinários ou diferenças significativas de renda podem justificar pensão alimentícia.
Desafios na Implementação Prática
Dificuldades de Comunicação Entre os Genitores
O principal obstáculo à efetiva aplicação da guarda compartilhada consiste nas dificuldades de comunicação entre pais separados. Frequentemente, mágoas e ressentimentos oriundos do término da relação conjugal interferem na capacidade de cooperação parental.
Quando os genitores não conseguem dialogar civilizadamente, decisões simples tornam-se fontes de conflito. Por exemplo, a escolha de uma escola ou a autorização para uma viagem podem gerar disputas judiciais prolongadas.
Nesses casos, o magistrado pode determinar acompanhamento psicológico ou medidas auxiliares para facilitar a comunicação. Contudo, quando a hostilidade é extrema e prejudica os filhos, a guarda unilateral pode ser mais apropriada.
Logística e Organização Familiar
A guarda compartilhada exige reorganização significativa da rotina familiar. Ambos os genitores devem manter residências adequadas e próximas, facilitando a alternância de convivência dos filhos.
Aspectos práticos como transporte escolar, guarda de pertences pessoais e continuidade de atividades extracurriculares demandam planejamento cuidadoso. Ademais, mudanças de cidade ou estado podem inviabilizar a manutenção desta modalidade de guarda.
Por exemplo, se um pai reside em São Paulo e a mãe muda-se para o Rio de Janeiro por motivos profissionais, torna-se impraticável manter convivência equilibrada. Nestes casos, pode ser necessária revisão da guarda para modalidade unilateral.
Resistência de Profissionais e Instituições
Muitas instituições ainda não se adaptaram completamente à realidade da guarda compartilhada. Escolas, planos de saúde e outros serviços frequentemente exigem autorização do "responsável legal", conceito que se torna ambíguo nesta modalidade.
Profissionais da educação e saúde podem ter dificuldade em lidar com dois responsáveis igualmente legitimados para tomar decisões. Consequentemente, podem surgir conflitos quando os genitores discordam sobre questões específicas.
A capacitação desses profissionais e a adaptação de procedimentos institucionais constituem desafios que ainda estão sendo superados gradualmente.
Jurisprudência dos Tribunais Superiores
Entendimentos do Superior Tribunal de Justiça
O Superior Tribunal de Justiça tem consolidado importantes precedentes sobre guarda compartilhada. O tribunal superior reconhece esta modalidade como preferencial, mas exige análise cuidadosa das circunstâncias concretas.
No Recurso Especial nº 1.251.000/MG, o STJ estabeleceu que
"a guarda compartilhada deve ser aplicada sempre que possível, pois assegura o direito da criança de conviver com ambos os pais, mesmo que estes apresentem dificuldades de relacionamento."
Outro precedente relevante, o REsp nº 1.428.596/RS, determinou que
"a mera existência de conflitos entre os genitores não é suficiente para afastar a aplicação da guarda compartilhada, desde que tais conflitos não comprometam o bem-estar dos menores."
Critérios Jurisprudenciais para Aplicação
Os tribunais têm desenvolvido critérios específicos para avaliar a viabilidade da guarda compartilhada. Primeiramente, analisam a aptidão de ambos os genitores para exercer as funções parentais.
Posteriormente, verificam se existe capacidade mínima de diálogo entre os pais. Embora conflitos pontuais não impeçam a aplicação, hostilidade extrema que prejudique os filhos pode justificar a guarda unilateral.
Finalmente, consideram as condições práticas para implementação, como proximidade das residências, estabilidade profissional dos genitores e adaptação das crianças à rotina de alternância.
Procedimentos Judiciais Específicos
Ação de Regulamentação de Guarda
A guarda compartilhada pode ser estabelecida através de ação específica de regulamentação de guarda. Esta ação tramita nas Varas de Família e segue procedimento especial previsto no Código de Processo Civil.
O artigo 1.584 do Código Civil permite que a guarda seja requerida
"por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar."
Quando há consenso entre os genitores, o processo é mais simples e rápido. Entretanto, quando existe discordância, torna-se necessária instrução probatória para avaliar as condições de cada parte.
Papel dos Auxiliares da Justiça
Frequentemente, o magistrado nomeia equipe multidisciplinar para avaliar as condições familiares. Assistentes sociais e psicólogos realizam estudos psicossociais que subsidiam a decisão judicial.
Estes profissionais visitam as residências dos genitores, entrevistam os filhos e avaliam a dinâmica familiar. Posteriormente, elaboram relatórios técnicos com recomendações sobre a modalidade de guarda mais adequada.
O artigo 151 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que
"compete à equipe interprofissional dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária."
Casos Práticos e Situações Específicas
Caso de Pais Residentes em Cidades Diferentes
João e Maria divorciaram-se quando seu filho Pedro tinha 8 anos. João permaneceu em São Paulo, enquanto Maria mudou-se para Campinas por motivos profissionais. Inicialmente, estabeleceu-se guarda compartilhada com alternância semanal.
Contudo, a distância entre as cidades tornou impraticável a manutenção desta rotina. Pedro apresentava dificuldades escolares devido às constantes mudanças e ao tempo perdido em deslocamentos. Após seis meses, o juiz modificou a decisão para guarda unilateral materna, com visitação paterna nos finais de semana alternados.
Caso de Conflito sobre Questões Religiosas
Ana e Carlos praticavam religiões diferentes e divorciaram-se quando suas filhas tinham 10 e 12 anos. Ana desejava que as meninas frequentassem a igreja católica, enquanto Carlos queria levá-las ao centro espírita.
O juiz manteve a guarda compartilhada, mas determinou que questões religiosas deveriam ser decididas pelas próprias filhas, considerando sua capacidade de discernimento. Ademais, estabeleceu que nenhum genitor poderia impedir o outro de compartilhar suas crenças, desde que respeitasse a autonomia das meninas.
Caso de Genitor com Transtorno Psiquiátrico
Patrícia sofria de transtorno bipolar, mas seguia tratamento médico rigoroso e mantinha estabilidade emocional há dois anos. Seu ex-marido Ricardo alegava que a doença mental tornava-a inapta para a guarda compartilhada de seu filho de 6 anos.
O perito judicial concluiu que Patrícia estava estável e apta para exercer a maternidade. O juiz estabeleceu guarda compartilhada, mas determinou acompanhamento psicológico periódico e revisão da decisão caso houvesse deterioração do quadro clínico.
Aspectos Internacionais da Guarda Compartilhada
Convenção de Haia sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional
Quando um dos genitores reside no exterior, a guarda compartilhada pode envolver questões de direito internacional. A Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.413/2000, estabelece mecanismos para proteção de menores em casos de transferência ou retenção ilícitas.
O artigo 3º da Convenção define que
"a transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando: a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou retenção."
Cooperação Jurídica Internacional
Em casos de guarda compartilhada envolvendo genitores residentes em países diferentes, pode ser necessária cooperação jurídica internacional. O Brasil mantém acordos bilaterais com diversos países para facilitar o cumprimento de decisões sobre guarda e convivência familiar.
Contudo, diferenças entre sistemas jurídicos podem gerar complexidades adicionais. Por exemplo, alguns países não reconhecem o conceito de guarda compartilhada nos mesmos moldes da legislação brasileira.
Perspectivas e Tendências Futuras
Mediação Familiar
A mediação familiar tem ganhado destaque como instrumento auxiliar na implementação da guarda compartilhada. O Código de Processo Civil de 2015 incentiva a utilização de métodos consensuais de resolução de conflitos.
Mediadores especializados em direito de família podem ajudar os genitores a superar dificuldades de comunicação e estabelecer acordos funcionais. Esta abordagem reduz a litigiosidade e promove soluções mais duradouras.
Tecnologia e Comunicação
Aplicativos e plataformas digitais têm facilitado a comunicação entre pais separados. Ferramentas específicas para famílias divorciadas permitem compartilhar informações sobre rotina escolar, consultas médicas e outras questões importantes.
Estas tecnologias podem reduzir conflitos ao criar canais objetivos de comunicação, focados exclusivamente nos interesses dos filhos.
Capacitação Profissional
A capacitação de profissionais do direito, psicologia e serviço social é fundamental para aprimorar a aplicação da guarda compartilhada. Cursos especializados e atualizações periódicas podem melhorar a qualidade das decisões judiciais e dos estudos técnicos.
Recomendações Práticas
Para os Genitores
Pais que desejam implementar guarda compartilhada devem priorizar o diálogo civilizado e o foco no bem-estar dos filhos. Recomenda-se estabelecer regras claras sobre horários, responsabilidades e métodos de comunicação.
Ademais, devem manter residências próximas e adequadas às necessidades das crianças. Flexibilidade para adaptações pontuais na rotina também contribui para o sucesso desta modalidade.
Para os Profissionais Jurídicos
Advogados que atuam em direito de família devem orientar seus clientes sobre as implicações práticas da guarda compartilhada. É importante esclarecer que esta modalidade exige cooperação contínua entre os genitores.
Magistrados devem analisar cuidadosamente as condições concretas de cada caso, considerando não apenas os aspectos legais, mas também as circunstâncias práticas que podem afetar a implementação.
Considerações Finais
A guarda compartilhada representa avanço significativo na proteção dos direitos das crianças e adolescentes. Contudo, sua implementação exitosa depende de diversos fatores que vão além da mera aplicação legal.
O sucesso desta modalidade requer mudança cultural na forma como a sociedade enxerga as responsabilidades parentais após a separação conjugal. Pais, profissionais e instituições devem adaptar-se a esta nova realidade, priorizando sempre o melhor interesse dos menores.
Portanto, embora a guarda compartilhada seja preferencial por lei, sua aplicação deve ser criteriosa e considerar as particularidades de cada família. Somente assim poderá cumprir seu objetivo fundamental de garantir o desenvolvimento saudável e equilibrado das crianças e adolescentes brasileiros.
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