iFood indenizará cliente por falta de entrega
- Thales de Menezes
- 24 de set. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 9 de nov.

A decisão que condenou o iFood a indenizar um consumidor reforça a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas relações entre plataformas digitais e usuários. Quando ocorre uma falha na prestação de serviço, como a não entrega de um pedido, o consumidor tem direito à reparação.
Nesse caso, o iFood foi condenado a indenizar cliente em R$ 2 mil por danos morais, além de restituir o valor pago pelo pedido não entregue, que totalizava R$ 105,45. O autor da ação não recebeu a refeição e também não foi reembolsado, o que configurou dupla violação de direitos: a falha no serviço e a ausência de devolução do valor pago.
A juíza relatora Maria Virgínia Andrade de Freitas Cruz, ao analisar o recurso, destacou que o consumidor sofreu transtornos desnecessários e perda de tempo útil ao tentar resolver o problema. Ela entendeu que a empresa falhou em sua obrigação legal de garantir uma experiência segura e eficaz ao consumidor, determinando o aumento da indenização para R$ 2 mil, com base nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
O que diz o Código de Defesa do Consumidor sobre a falha na prestação de serviços
A base da decisão está no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), que dispõe:
“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
Portanto, o fornecedor responde objetivamente pelos danos. Isso significa que basta comprovar o defeito na prestação do serviço para que haja o dever de indenizar, sem necessidade de provar culpa ou dolo.
O mesmo artigo estabelece, em seu §3º, que o fornecedor só se exime de responsabilidade se provar que o defeito não existe, que o dano foi causado exclusivamente pelo consumidor ou por terceiro. No caso do iFood, o argumento de que a culpa era do entregador não se sustentou, pois ele atua como parte integrante da cadeia de fornecimento, sendo responsabilidade da plataforma garantir que o serviço contratado seja prestado de forma adequada.
A responsabilidade solidária das plataformas digitais
O artigo 7º, parágrafo único, do CDC determina que “havendo mais de um responsável pela ofensa ao consumidor, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos”.
No contexto dos aplicativos de entrega, o restaurante, o entregador e o próprio aplicativo compõem a cadeia de consumo. O consumidor não contrata cada um individualmente, mas confia no aplicativo como intermediário garantidor da prestação do serviço.
Por isso, quando ocorre uma falha — como a não entrega de um pedido — a plataforma responde solidariamente pelos danos causados, salvo se comprovar que não houve qualquer defeito em sua atuação, o que raramente é possível.
A juíza Maria Helena Coppens Motta, responsável pela sentença inicial, já havia reconhecido essa responsabilidade, determinando o reembolso e uma indenização de R$ 500,00. No entanto, a relatora entendeu que o valor era insuficiente para compensar o dano e corrigiu a quantia para R$ 2 mil, destacando que essa quantia estava em conformidade com a jurisprudência das Turmas Recursais.
O conceito de fornecedor e a aplicação do CDC ao iFood
O artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor define fornecedor como:
“Toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”
Assim, o iFood se enquadra no conceito de fornecedor, pois realiza atividade de intermediação de serviços de entrega e venda de alimentos, cobrando percentuais sobre transações realizadas na plataforma.
Essa atuação o coloca na posição de corresponsável por qualquer dano sofrido pelo consumidor, ainda que o problema tenha sido causado por parceiros, entregadores ou restaurantes cadastrados.
A juíza relatora foi clara ao afirmar que a empresa “se enquadra no conceito de fornecedor conforme definido pela legislação consumerista, sendo responsável de forma objetiva e solidária pelos danos causados”.
O dano moral nas relações de consumo digitais
O dano moral é configurado quando o consumidor sofre prejuízos que ultrapassam o simples aborrecimento. No caso do iFood, o cliente teve seu tempo desperdiçado, ficou sem a refeição contratada e não obteve reembolso imediato.
A jurisprudência brasileira tem reconhecido o direito à indenização por danos morais nesses casos, pois o consumidor é colocado em situação de impotência diante de empresas com estrutura tecnológica e financeira muito superior.
Além disso, a recusa injustificada ou o descaso na resolução de um problema evidenciam falha grave na prestação de serviço, que fere os princípios da boa-fé objetiva e da confiança nas relações de consumo.
O artigo 6º, inciso VI, do CDC reforça o direito do consumidor à reparação moral e material:
“São direitos básicos do consumidor: a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.”
Dessa forma, a indenização não apenas compensa o abalo moral, mas também tem função pedagógica, incentivando as empresas a adotarem políticas mais eficientes de atendimento e resolução de conflitos.
A teoria do tempo perdido e o dano moral nas relações digitais
Um aspecto importante da decisão é o reconhecimento do tempo perdido como dano moral indenizável. A juíza destacou que o consumidor desperdiçou tempo tentando solucionar o problema sem sucesso.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou entendimento no sentido de que o tempo gasto pelo consumidor para resolver falhas do fornecedor é indenizável, por violar o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito ao lazer.
Essa teoria, conhecida como “teoria do desvio produtivo do consumidor”, entende que o tempo é um bem jurídico relevante e deve ser protegido contra desperdícios causados por condutas abusivas ou desorganizadas de empresas.
Assim, além do valor financeiro, a condenação reconhece que o consumidor não deve ser penalizado por falhas que a empresa tem o dever de prevenir.
O dever de cuidado e a boa-fé nas relações digitais
A prestação de serviços em plataformas digitais exige cuidado redobrado, especialmente porque o consumidor confia integralmente no sistema automatizado e nas políticas de segurança da empresa.
O artigo 422 do Código Civil estabelece:
“Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
No ambiente digital, esse princípio se traduz em transparência, segurança das transações, clareza nas comunicações e suporte eficiente. Quando a plataforma falha em garantir esses aspectos, viola o dever de boa-fé e responde pelos danos causados.
O artigo 20 do CDC também prevê que, em caso de falha na prestação do serviço, o consumidor pode exigir a reexecução do serviço, a restituição do valor pago ou o abatimento proporcional do preço.
No caso concreto, nenhuma dessas medidas foi aplicada voluntariamente pela empresa, o que reforçou a necessidade de condenação judicial.
O valor da indenização e os critérios de fixação
O valor da indenização foi fixado com base nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, considerando a gravidade do dano, a capacidade econômica da empresa e o caráter pedagógico da sanção.
O montante de R$ 2 mil é compatível com o padrão adotado pelas Turmas Recursais em casos de falha na entrega de produtos ou serviços digitais. A quantia não deve gerar enriquecimento indevido, mas precisa desestimular a repetição de condutas semelhantes.
A relatora destacou que a indenização “é adequada para compensar o dano e desencorajar práticas indesejadas”, confirmando o papel educativo das condenações cíveis em matéria de consumo.
Conclusão: iFood indenizará cliente
A decisão que decidiu que iFood indenizará cliente reafirma a aplicabilidade integral do Código de Defesa do Consumidor às relações digitais. O avanço tecnológico não elimina a responsabilidade das empresas em garantir segurança, qualidade e transparência na prestação de serviços.
O consumidor que enfrenta problemas semelhantes deve registrar todas as comunicações com a empresa, guardar comprovantes de pagamento e, se não obtiver solução, buscar orientação jurídica.
As decisões judiciais têm mostrado que, mesmo no ambiente digital, prevalecem os direitos fundamentais de respeito, dignidade e proteção contra abusos. O caso reforça que nenhuma empresa pode se eximir da responsabilidade por falhas de serviço, independentemente de quem as tenha causado.
Em um mercado cada vez mais digital, garantir a efetividade dos direitos do consumidor é essencial para manter a confiança nas relações de consumo e fortalecer a segurança jurídica nas transações online.
Processo 0036169-65.2023.8.05.0001
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