Trabalhadora pode sacar FGTS para custear tratamento da filha autista
- Thales de Menezes
- 2 de mar.
- 5 min de leitura
Atualizado: 12 de set.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região confirmou decisão que autorizou uma trabalhadora a sacar FGTS para tratamento de sua filha diagnosticada com autismo. O caso reafirma que a interpretação da lei deve priorizar a proteção à vida e à saúde, ampliando a aplicação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço em situações médicas graves.
A decisão representa um marco para famílias que necessitam custear tratamentos especializados e contínuos. O entendimento do tribunal reforça que o FGTS não pode ser encarado apenas como uma reserva financeira para demissões ou aquisição da casa própria, mas também como instrumento de proteção social, especialmente em casos de doenças graves.
Neste artigo, vamos analisar a legislação aplicável, a fundamentação judicial do caso e os impactos desse precedente para outros trabalhadores que buscam sacar FGTS para tratamento de autismo ou situações semelhantes.
O caso concreto analisado pelo TRF-1
A trabalhadora solicitou judicialmente a liberação do saldo de sua conta do FGTS com o objetivo de custear o tratamento médico da filha diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista. O pedido foi inicialmente analisado pela 14ª Vara Cível de Brasília/DF, que concedeu a autorização.
O juiz de primeira instância baseou-se no artigo 20 da Lei nº 8.036/90, norma que regulamenta o FGTS. O dispositivo prevê hipóteses específicas de saque, como demissão sem justa causa, aquisição de moradia e aposentadoria. No entanto, o magistrado entendeu que a redação da lei também comporta interpretação extensiva quando se trata de garantir a proteção da vida e da saúde.
Em seguida, por força do artigo 496 do Código de Processo Civil, o processo foi remetido ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região para reexame necessário. A 6ª Turma confirmou a decisão por unanimidade, reconhecendo o direito da trabalhadora de sacar FGTS para tratamento da filha autista.
O fundamento legal do saque do FGTS em casos de saúde
O artigo 20 da Lei nº 8.036/90 dispõe:
“Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações: (...) XI – quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for acometido de neoplasia maligna; XII – quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes estiver em estágio terminal, em razão de doença grave.”
A norma menciona de forma expressa apenas duas hipóteses de liberação para tratamento de saúde. Entretanto, a jurisprudência tem reconhecido que a lista não é exaustiva. Isso significa que o juiz pode autorizar o saque quando comprovada a necessidade médica grave, mesmo que a doença não esteja expressamente citada na lei.
Esse entendimento está alinhado ao princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Além disso, respeita a proteção ao direito fundamental à saúde, garantido pelo artigo 6º e pelo artigo 196 da Constituição.
A interpretação do TRF-1 e a jurisprudência do STJ
O relator, desembargador João Carlos Mayer Soares, destacou que o Superior Tribunal de Justiça já consolidou entendimento de que as hipóteses de saque do FGTS não são restritas. O STJ reconhece a possibilidade de movimentação dos valores sempre que estiver em jogo a preservação da saúde ou da vida do trabalhador e de seus dependentes.
A decisão do TRF-1 ressaltou que o autismo exige tratamento multidisciplinar, contínuo e de alto custo, o que reforça a necessidade de acesso aos recursos financeiros disponíveis. A negativa ao saque poderia inviabilizar o tratamento e comprometer a dignidade da pessoa humana.
Assim, ao confirmar a sentença, o tribunal reafirmou que a função social do FGTS deve prevalecer sobre uma interpretação rígida e limitadora da norma.
O papel do FGTS como instrumento de proteção social
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço foi criado pela Lei nº 5.107/66 e atualmente é regulamentado pela Lei nº 8.036/90. Sua principal função é servir como proteção ao trabalhador em situações de desemprego e financiar políticas públicas habitacionais e de saneamento.
No entanto, o caráter social do FGTS vai além dessas finalidades. Ele deve assegurar também a dignidade do trabalhador e de sua família em situações emergenciais. A possibilidade de saque para tratamentos médicos se harmoniza com essa função social, pois garante acesso a cuidados essenciais quando não há outras alternativas financeiras.
Nesse sentido, a decisão do TRF-1 não cria uma nova hipótese de saque, mas interpreta a legislação de forma sistemática, priorizando os direitos constitucionais à saúde e à vida.
A importância da boa-fé e da prova documental
Outro ponto relevante do julgamento foi a comprovação da necessidade do tratamento. A trabalhadora apresentou laudos médicos que atestavam o diagnóstico do transtorno do espectro autista e a necessidade de acompanhamento especializado.
O tribunal reconheceu que, diante das provas, seria injusto negar o saque, já que a finalidade do fundo é justamente assegurar condições mínimas de proteção ao trabalhador e sua família. Essa exigência documental é fundamental, pois evita o uso indevido dos valores e garante que a medida seja aplicada apenas em casos realmente graves.
Precedentes relevantes e consolidação da jurisprudência
O Superior Tribunal de Justiça já enfrentou situações semelhantes, autorizando o saque do FGTS em casos de doenças graves não previstas de forma literal na lei. Em diversos julgados, o STJ reconheceu que a interpretação deve ser ampliativa quando a saúde ou a vida estão em risco.
Além disso, a própria Caixa Econômica Federal, responsável pela gestão do FGTS, já regulamentou em normativos internos hipóteses de movimentação da conta em situações médicas específicas, o que reforça a tendência de flexibilização.
Com a decisão do TRF-1, amplia-se a segurança jurídica para que trabalhadores em condições semelhantes possam ingressar com ações judiciais buscando a liberação dos valores.
Consequências práticas para trabalhadores e famílias
O reconhecimento do direito de sacar FGTS para tratamento de autismo tem grande impacto social. Muitas famílias enfrentam dificuldades financeiras para custear terapias contínuas, como fonoaudiologia, terapia ocupacional e acompanhamento psicológico.
Com a decisão judicial, abre-se a possibilidade de que outras pessoas em situações semelhantes busquem a Justiça para obter acesso ao fundo. Isso representa um alívio financeiro e garante continuidade ao tratamento, essencial para o desenvolvimento da criança.
Entretanto, é importante destacar que o saque não ocorre de forma automática. Em regra, é necessário ingressar com ação judicial, apresentar documentação médica robusta e comprovar a necessidade de custeio.
Conclusão sobre tratamento da filha autista
A decisão da 6ª Turma do TRF-1 confirma a importância de interpretar a legislação de forma humanizada, em conformidade com os princípios constitucionais. Ao permitir que a trabalhadora saque FGTS para tratamento da filha autista, o tribunal reforçou a prevalência do direito à saúde sobre restrições burocráticas.
Esse precedente fortalece a jurisprudência que admite hipóteses de saque em situações médicas graves, mesmo quando não previstas expressamente na lei. Além disso, garante que o FGTS cumpra sua função social de proteção ao trabalhador e sua família em momentos de vulnerabilidade.
Portanto, a decisão não apenas assegura justiça no caso concreto, mas também abre caminho para que outros trabalhadores possam buscar seus direitos. Trata-se de importante vitória no reconhecimento da dignidade da pessoa humana como valor central do ordenamento jurídico.
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